Para a maioria da população portuguesa a ideia de nunca ter visto o mar é tão estranha como não haver televisão em directo. Sendo da Madeira, onde o mar era o meu Norte, a ideia é ainda mais estranha.
Quando uma amiga de uma organização não governamental vizinha, a Children Of The Forest, me convidou para levar 38 crianças e adolescentes refugiados a ver o mar pela primeira vez, aceitei sem hesitações. Naturalmente, aceitei antes de saber que seriam precisos dois dias de viagem até chegarmos à ilha de Ko Lanta. Aceitei igualmente sem saber que significaria dormir uma média de quatro horas diárias (num dia bom).
Após doze dias extremamente cansativos afirmei, sem medos, que se para o ano voltarem a precisar de pessoas, podem contar comigo.
Das 38 crianças e adolescentes metade são órfãos. Órfãos refugiados. O que significa que têm apenas a ONG no mundo e nada mais. Nem sequer papéis que provem a sua existência. Dos restantes, parte tem um ou outro familiar que, por razões financeiras ou de saúde, não pode tomar conta deles, alguns escaparam situações muito violentas e, a minoria, tem um núcleo familiar completo mas extremamente pobre, sendo o almoço na escola a única refeição do dia. Mais de metade a partir dos nove anos já trabalha – legal ou ilegalmente – para ajudar a família. A ONG oferece escola gratuita a todos os que quiserem estudar e o entusiasmo e vontade de aprender da maioria dos jovens (alguns andam 10 ou 15 km de manhã para chegarem à escola e trabalham à noite) fez com que tentassem todos os anos levar alguns de ferias até à ilha de Ko Lanta. Para estes jovens estas serão as únicas ferias que terão na vida.
A maior parte do orçamento é para comida. Não sei explicar como foi ver crianças a receberem três refeições por dia pela primeira vez. E, no entanto, não foram férias tristes ou emotivas no mau sentido, foram umas das melhores semanas que já tive. Nada como uma criança a rir para nos fazer apreciar as pequenas coisas. Mesmo dar um mergulho no mar pareceu-me uma actividade mais divertida do que era desde que tinha sete ou oito anos.
As actividades foram oferecidas pelos comerciantes de Ko Lanta ou fornecidas com enormes descontos, de forma a permitir aos miúdos experimentarem imensas coisas pela primeira vez, desde boxe tailandês, cozinha tailandesa ou mini-golfe. A maioria dos adultos já conhecia as actividades mas o entusiasmo era contagiante. Dei por mim a estar eufórica com a simples ideia de ir comer hambúrgueres, de ter gelado para sobremesa e de poder ver bonecos depois do jantar…
Os petizes fartaram-se de nos agradecer mas foi graças a eles que oito adultos voltaram a ser crianças.