Valle Sagrado num dia abençoado

Valle SagradoSaímos de Cuzco ao amanhecer e o cume do Ausangate, com quase 6.400 metros de altitude, via-se na perfeição. Fui numa excursão ao Valle Sagrado com um guia pouco convencional: explicou que muito do que se diz sobre as ruínas Incas, inclusive as de Machu Pichu, é inventado (por guias) e que, ao contrário da maioria, ele era “local” do local. Esclareceu que, apesar dos estudos já feitos, ainda se sabe muito pouco sobre este povo.

O “Valle Sagrado” está localizado entre Cuzco e Machu Pichu, ao longo do percurso do Rio Urubamba. Os Incas ergueram cidadelas em pontos estratégicos deste vale, que hoje estão ruínas ou jazem debaixo dos muros coloniais. Perto delas, surgiram pequenas vilas de adobe, cal e palha, onde vivem os habitantes actuais. Nelas estão os “mercados”, feiras ao ar-livre de produtos artesanais. Fora os dias para turistas, estas pessoas fazem o “trueque”, ou seja, trocam produtos entre si.

O vale pertence a uma das seis comunidades andinas do Peru que subsiste da agricultura de pequena escala. Vive-se do cultivo de maíz (milho) em montanha, tradição que herdaram dos Incas. Para desenvolverem a agricultura em pendentes fortes os Incas inventaram um sistema de “andenes”, terraços com que escalonaram e redesenharam as montanhas, prevenindo-se da erosão e assegurando a produção. Recordam-me os “socalcos” do Douro pela forma de esculpir a paisagem. Não sei se Mao Tse Tung alguma vez esteve aqui, mas diz-se que importou o modelo para as plantações da China. Também os sulcos feitos pelos Incas em torno das plantações para se encherem com água, mantendo uma espécie de microclima, mostram o avanço alcançado nos sistemas de cultivo. Do milho “morado”, tinto, faz-se a “chicha morada” nas chicherias (que se distinguem na estrada, por terem símbolos vermelhos). Nelas fermentam o milho com canela, cravo e casca de ananás. Acompanham a chicha, com maçarocas do milho cozido e queijo de alpaca. Este animal é dos poucos que lhes dá carne e do qual ainda tiram lã para vestimenta.

Apesar do pouco que se conhece dos Incas, o traçado destas cidades reflecte intenções de organizar o espaço por funções: cemitério, templos (área cerimonial), zona de cultivo agrícola, zona residencial, etc. Os Gregos e os Romanos também o fizeram à sua maneira e muitos urbanistas no período Moderno “zonificaram” cidades por funções e usos. À parte de explicações técnicas, o que me faz ver estas cidadelas como excepcionais, e qualquer planificação delas que os Incas tenham feito, não é tanto o seu traçado mas a forma como se adaptaram à paisagem, como se encaixaram com ela. Recordam-me uma frase de um professor que dizia que a boa arquitectura era aquela que, uma vez num lugar, parecia nascida com ele, tão enquadrada e orgânica que, sem ela, o lugar valia menos. Os Incas foram mestres nisto.

É difícil esclarecer como chegaram os monólitos ao cimo de montes no fundo de um vale, como os carregaram. Os investigadores estudam de onde se extraíram blocos tão grandes, como os talharam uma vez que os encaixes são perfeitos, e quantas pessoas trabalhavam para construir cidades assim. No tempo dos Incas, para solucionar os problemas de saúde, a medicina associava-se à religião e à magia, a chicha e a coca eram usadas como anestesiantes. Apesar da fusão de mitos andinos com cristãos, muitos saberes e remédios mantiveram-se até à actualidade, como se manteve aquela que é a herança mais viva da cultura inca, o “quechua”. Este idioma não é só uma reminiscência que sobrevive como alguns: 40% da população peruana fala-o além do espanhol e usa-o em casa.

Os Incas eram politeístas, a Pachamama (terra), Mamacochi (mar), Cocha (arco-íris), Coyllur (estrelas), Quilla (Lua), e o Inti (Sol) eram deuses que adoravam. Foi, talvez, por serem veneradores da natureza e de fenómenos derivados dela que esta relação com os sítios onde edificaram teve resultados tão originais. Ollantaytambo está implantada de forma a dominar o vale, pois era um complexo militar. A escadaria que dá acesso às ruínas é Inca e foi desenhada de forma exímia. Lá em cima, está a tumba do Ollantay e o templo do sol. Aí, as pedras alcançam dimensões fora do normal, uma delas tem em relevo a Cruz Andina Chakana. Esta cruz não tem relação com a cruz de Cristo mas sim com a Cruz del Sur, a que está no céu. Está associada aos equinócios e solstícios, a escadas, ao terreno e ao sagrado, à cosmografia, e é reinterpretada no artesanato de toda a cordilheira. Pisac era um cemitério, está no extremo de uma montanha tão erma que dizem que foi usado como observatório astronómico. A vila actual homónima fica lá em baixo, depois das vertigens, na margem do rio.

Em Chinchero, debaixo das construções coloniais, está a base Inca, como é o caso da fazenda do Inca (rei) Tupac Yupanqui. Esta aldeia era o lugar “onde o arco-íris nasce”. A cordilheira de Vilnacota lá atrás, as cores do mercado, a luz, o frio e o cansaço tornaram o arco-íris mais natural. E abençoaram o fim do dia.

 

 

Por Sofia Valente
A Sofia é uma surfista do Porto que está na América do Sul a fazer um ano do curso de arquitectura e, claro está, a viajar e a surfar sempre que pode.

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