Um homem com uma catana na mão
Rio Dulce, Guatemala
Maio 2007
Vem aí um homem com uma catana na mão. Faz vinte minutos que aqui estou, na beira da estrada à espera do autocarro, e ainda não passou vivalma. E agora, vem aí um homem com uma catana na mão.
A Lídia, do hotel, disse que o autocarro passa a cada meia hora. Mas, se calhar, enganou-se. E o homem vem aí, ao cimo da estrada, a descer muito devagar, quase a cambalear. Com uma catana na mão.
Deve vir cansado da jornada de trabalho. Ou bêbado. Se calhar é melhor assim, se tiver que lutar com ele não se deve aguentar das pernas. Por outro lado, a bebedeira pode dar-lhe para a tolice e atacar-me apenas por desabafo.
Quantas semanas de arroz e feijão valerá a máquina fotográfica que trago na mochila? E a minha camisola da Quiksilver? O que é que o impede de, ao passar por mim, dar-me uma catanada e deixar-me a morrer na beira da estrada? Faz vinte minutos que não passa vivalma. Seriedade? Honestidade? O que significará isso ao lado de uma barriga vazia e mais três a chorar em casa? Não sei, nunca tive que mentir ou enganar por fome. Já o fiz por outras razões quaisquer, quanto mais por fome.
O homem vem aí, com a catana na mão. Se calhar é melhor atravessar a estrada para o outro lado para me pôr a salvo. Mas… e se ele vem de boa fé? Vai perceber e sentir-se insultado. Humilhado.
Já sei. Quando ele chegar até mim, dou dois passos para o meio da estrada, como se estivesse a espreitar se vem o autocarro. A Lídia, do hotel, disse que passava de meia em meia hora. Assim afasto-me um pouco sem nunca o perder de vista.
Agora! O homem olha para mim, abranda ainda mais o passo e parece hesitar. Dou mais dois passos na direcção contrária, fazendo de conta que vou continuar a pé. Ele ainda olha para trás… mas segue o seu caminho.
Vai ali um homem com uma catana na mão. Vai ali, ao fundo da estrada, e parece cansado da jornada de trabalho. Se calhar, só lhe apetecia parar e falar com alguém. Faz vinte minutos que não passa vivalma.