“Engraçado, mesmo depois de estes anos todos, o nexo de casualidade e as probabilidades ínfimas é algo que desconheces em absoluto, visto não conseguires ter um dia NORMAL” – comentário deixado pela minha prima no meu blog.
A mãe de uma voluntária italiana, depois de vários emails desta, afirmou ter percebido que os dias na Tailândia eram iguais uns aos outros, que os voluntários e os miúdos tinham uma rotina estabelecida por assim dizer. Só de pensar nisso sinto um novo ataque de riso a surgir. De facto, a vida cá tem o seu ritmo próprio mas todos os acontecimentos, por mais rotineiros ou banais que sejam, acabam sempre por fazer parte do factor Tailândia. O factor Tailândia inclui: inesperado, divertido, estranho e insano. E, às vezes, inclui alguma estupidez também mas isso é outra história.
Há dias visitei o meu primeiro santuário de tigres. Foi uma bela experiência. Foi uma experiência repleta do factor Tailândia: Os carros não tinham gasolina, um não tinha óleo suficiente. Os travões não estavam no estado ideal para carregar 32 pessoas. Ninguém sabia exactamente onde ficava o santuário. A primeira demanda foi encontrar gasolina. A segunda encontrar o caminho. A terceira chegar lá antes do meio-dia para os miúdos poderem entrar de graça. Naturalmente falhamos espectacularmente nas três demandas. Primeiro, não havia bomba de gasolina e depois a que encontramos já não tinha diesel (é o que da viver no meio do nada) e a terceira tinha apenas 20 litros (nada para dois jipes). Encontrar o caminho, encontrámos… mas só depois de várias curvas e contra-curvas, alguns km em contramão e outras manobras ilegais! Chegámos ao destino meia hora depois do meio-dia. Como adultos calmos e controlados que somos desatámos a implorar à gerência do santuário para nos deixar entrar. E, estranhamente, resultou. Talvez porque os funcionários tiveram pena de nos ver regressar de mãos a abanar após 4 horas num carro, talvez porque três italianos e uma portuguesa conseguem fazer muito barulho… O resto da tarde foi passado de forma “normal”: fui passeando entre tigres de vários tamanhos e idades e fiz festas em mais de cinco tigres. Perfeitamente normal. No regresso, conseguimos parar para comer e visitar umas termas. Por menos de 0,4 Eur e tivemos acesso a uma piscina de água quente e uma de água fria. Todos os voluntários ficaram cheios de saudades de um duche de água quente e chegámos a comparar o número de dias que cada um já viveu sem água quente… ao que isto chegou. Ao sairmos das termas, descobrimos que uma das miúdas estava doente. Estava num canto a contorcer-se com dores. Pensámos que era apendicite e desatamos a correr para o hospital… mas não sabíamos o caminho e estávamos a 3 horas de tudo! Conforme ela foi piorando, os nervos foram ficando à flor da pele. A dada altura ela desmaiou e estava a arder com febre. Parámos o carro no meio da auto-estrada para podermos gritar durante um minuto e descobrir um adolescente que sabia o caminho. Um grupo de polícias olhava-nos com suspeita. Após uma meia hora stressante no hospital descobrimos que ela tinha uma úlcera e que tinha chegado a um ponto extremo. Foi enviada para casa com ordens para mudar a dieta e tomar a medicação. De repente, estávamos todos muito cansados. No regresso, eu e a italiana fomos a cantar aos altos berros de forma a ficarmos acordadas. Chegámos a casa pela meia-noite. Estávamos acordadas desde as 5.45h da manha.
Dois dias depois, numa jantar de despedida contámos aos outros voluntários como tinha sido a experiência. Não ficaram muito impressionados, toda a gente tem uma história parecida, mais ou menos grave. Os ingleses tinham acabado de regressar de uma tarde com muitas cervejas na esquadra local, os holandeses quase perderam uma miúda de seis anos quando ela se afogou: um deles teve que a reanimar e ela ficou em coma um dia inteiro (esta óptima e quer voltar a nadar; quando ela voltar vou organizar um curso de primeiros socorros). Depois de uma bela cerveja fria para sobremesa fui com três deles ajudar a descarregar um carro, pois andam a construir uma vedação para o orfanato e tinham lá o material. As 23h e picos, com apenas quatro lanternas desatamos a carregar 250kg de rede, 4 tábuas de madeira de 2 metros por 2 metros e cerca de 150kg de comida para cão. Fui a única a pisar a poça de lama, naturalmente.
Esta semana recebi a minha primeira visita e fiquei doente. Num dos dias tive demasiada febre para podermos sair e quando, finalmente, fomos passear deixei cair a máquina fotográfica no rio.
Tudo isto são “dias normais” e rotineiros e, no entanto, na Europa seriam considerados dias extraordinários, cheios de eventos.
Como a escola está fechada vim de férias até ao Vietnam, cheguei há algumas horas. Após um jantar com a minha amiga francesa (que vive em Hanoi há 7 meses) descobri que quase todos os ocidentais enfrentam situações insanas e divertidas quase todos os dias. Talvez seja normal para um local mas não para nós. Descobri também que, para os Vietnamitas, nós somos todos iguais, ao ponto de tentarem dar o meu passaporte a um rapaz inglês e o dele a uma rapariga francesa. Quando apontamos o “erro” o polícia riu-se e disse:
– Same, same.
Somos todos iguais, todos a absorver a estranheza asiática.
Olá! Gostava de saber que voluntariado frequentaste, com que organização. Gostava de fazer algo parecido… Obrigada!
Maria: Lê o resto das crónicas. A Bárbara fala de algumas organizações em que esteve.