Um dia em cheio no paraíso do surf Australiano
Os primeiros dias na Austrália acabaramm por ser críticos para o resto da viagem. Fico dois dias em stand-by à espera que passe o ciclone para poder mergulhar na Grande Barreira de Coral, apanho o concerto dos Placebo em Brisbane e, sem destino imediato, acabo por me perder na noite. O mergulho não foi nada de especial, dou o tempo por mal empregue e começo a stressar porque acho que não conseguir ir a todos os sítios que tinha planeado.
Apesar de tudo, o ciclone trouxe ondulação e apanho altas ondas, de calções, no cantinho da praia de Mooloolaba e no pico principal de Noosa, duas cidadezinhas “fancy” ao melhor estilo de Vilamoura. É incrível a cultura de mar que existe na Austrália! Todos os miúdos frequentam um “Surfing Live Saver Club” local, onde aprendem a fazer surf e a ser nadadores-salvadores e é usual ver os pais e avós a apoiá-los durante e depois da surfada. Uma vez em Noosa, na caminhada até ao sítio da saltar, um deles meteu conversa comigo. “Hoje não vou ás aulas. O meu pai deixou-me faltar para apanhar este swell!”. Caramba, tanta aulinha faltei eu às escondidas da minha mãe.
Sigo viagem e perco-me novamente na “loucura fabricada” de Surfers Paradise, com as 300 marcas de cerveja e com as loiras oxigenadas de pele morena, dando pouco uso ao quarto que me custou uma fortuna. Por estranho que possa parecer, começo a sentir-me mais sozinho no meio de tanta gente do que quando jantava o take-away chinês na varanda do meu hotel em Raglan. Posso ter tido azar, mas parece-me que o surf em “Surfers” não tem nada de “Paradise”, excepto talvez para os canadianos, alemães e americanos do Texas que nunca pegaram numa prancha de surf na vida. Fujo rapidamente daquele antro turístico, pedindo o reembolso da segunda noite que tinha programado ficar e fico sentadinho no relvado em frente a Burleigh Heads a ver uma sessão insana de surf em ondas de 3 metros.
No dia seguinte, sexta-feira, chego a Coolangata e ao superbank, uma sucessão mágica de bancos de areia que produzem algumas das melhores ondas do mundo. Ao início não percebo muito bem que onda é qual e tenho vergonha de perguntar. Identifico Kirra, primeiro pelo tubo oco que tantas vezes vi em filme, depois pelo número de fotógrafos de arma em punho e finalmente tenho a confirmação pela inscrição no passeio. Seguem-se Greenmount e Snaper Rocks. Incrível!
Entro em Greenmount, porque me parece ser a secção mais fácil mas, ao fim de duas horas e nenhuma onda, chego à conclusão que tenho que as ir apanhar junto às pedras de Snaper Rocks. Não é fácil, nada fácil… na mesma onda entram sempre três ou quatro para ver se quem é que cai. Se o homem que tem a prioridade não cair, os outros vão saindo aos poucos. Demoro um bocado a habituar-me mas, no segundo dia, já se ouve alguns “Sai, c#&$%!” lá no pico.
Nesse fim de tarde, caminho cinco minutos com a prancha debaixo do braço o backpacker onde estou a dormir e entro no inside de Greenmount com a maré vaza. Trouxe a prancha maior, mas mesmo assim sinto-me pouco à vontade a ver os sets de 2 metros a partirem secos no banco de areia. Primeiro onda, balda! Segunda onda, balda! Olho para terra e vejo um paredão, estou em Kirra! Sem dar conta, a corrente arrastou-me para Kirra Point e o meu primeiro instinto é virar a prancha a voltar para o pico de Greenmount mas depois o bichinho começa a roer-me por dentro. Nem é pela onda, que honestamente não é para o meu bico, mas provavelmente nunca mais cá volto e não posso perder a oportunidade de saber para o resto de minha vida que surfei em Kirra. Posiciono-me de forma a não levar com os sets na cabeça e ter tempo de ver os outros com calma. Vejo alguns a cair no drop, o que de certa forma me alivia, e quando chega a minha vez… balda! Só à quarta é que acerto. Apanho uma das mais pequenas, aguento o drop com alguma dificuldade e deixo-me ir encostadinho à parede da onda, só a dar gás. O tubo devia vir atrás de mim, mas nem quis olhar.
Volto a pé para a minha casa temporária, troco metade da lasanha congelada por um prato de sopa de tomate com o japonês do quarto do lado e, antes de dormir, vou até a um bar em Tweeds Head, a cidade gémea de Coolangata, já do outro lado da linha da “fronteira”, no estado de New South Wales. Um dia em cheio!