Segui o rumo para norte. Quero chegar a Calama, uma cidade mineira, e chego, só que depois do horário previsto porque na camioneta onde viajava, a correia quebrou-se a meio da noite. Desço do bus e vejo vários passageiros homens a urinarem, só tenho tempo para perceber que estou no meio do deserto, não há luz, só estrelas e pampa. Subo de novo. Esperámos até que passou um novo bus que nos levou, só que este seguia o seu trajecto via Antofagasta. Ainda penso em descer do bus para ver a cidade, mas não me parece muito atraente, um porto, uma cidade costeira, industrial, ainda vejo o seu atractivo principal, esse arco em pedra esculpido pelo vento, que é o postal da cidade.
Chego a Calama exausta, a cidade é pouco bonita e perigosa. Estou há um dia e várias horas em trânsito, entre camionetas e terminal, agora tenho que esperar. Parto finalmente para S.Pedro de Atacama, esse pueblo turístico de onde saem os tours para visitar o deserto. Calama e S.Pedro de Atacama são antigos oásis do deserto de Atacama, o mais seco do mundo e que está também em avance ano após ano, para o sul. É graças à quantidade de minerais que esta região tem que o País dispõe da sua maior fonte de riqueza. Toda esta região era boliviana e peruana antes da Guerra do Pacífico.
A maioria dos turistas que vem ao Chile traz Atacama como objectivo máximo da viagem, aqui os preços disparam. Apesar do turismo massivo algumas paisagens permanecem com esse aspecto virgem, intocado, lunar. Lunar: visito o Valle de La Luna e o Valle de la Muerte, tratando de fugir aos turistas e captar as melhores fotografias. Trazem-nos aqui ao fim da tarde propositadamente, a luz é co-protagonista deste espectáculo, imaginamos que a lua deve ser mesmo assim. Caminho nesta terra árida, sento-me em algumas partes a pensar que um dia esta terra foi mar, encontram-se fosseis frequentemente. Só tinha visto o deserto uma vez, o Sahara em Marrocos. Mas aqui é diferente, não vejo dunas sensuais até perder a vista, vejo terra árida, esculpida em formas estranhas e ocas, e a cordilheira como plano de fundo, alguns vulcões triangulares ao longe. Um dos vulcões é o Licancabur. Os vulcões aqui são deuses, e este cortou a cabeça à sua vizinha e amada depois de uma traição, ela é um vulcão sem ponta.
Volto a S. Pedro para dormir, há de tudo para consumir: as mantas artesanais de lã de alpaca com 200 anos de gerações, as mantas actuais com tintas sintéticas, as que vêm dos atacameños que estão na Bolívia, as bolsas para as folhas de cocaína, os ponchos, comida vegetariana, aulas de yoga, terapias reiki à noite, massagens… de tudo! Perguntei em vários lugares se existiam realmente pessoas em S.Pedro de Atacama que fossem atacameñas, resta um ceramista, o resto dos habitantes são pessoas de Santiago e outras partes do Chile, que vêm aqui montar algum negócio turístico. Os verdadeiros atacameños estão disseminados pela Bolívia, Peru e algumas aldeias chilenas.
Agora, é com a minha amiga Rafaela, que veio entretanto encontrar-se comigo a S.Pedro, que sigo a viajar. Optamos pelo tour dos geysers del Tatio, devido à falta de economias para mais visitas de que ambas sofremos. Estamos ao lado da Bolívia, fico com muita pena de já não ir, já não ter dinheiro nem tempo… há também uns passeios a cavalo interessantes, mas a viagem livre também pressupõe este tipo de opções, e neste caso havia que tomar decisões em conjunto. Mais tarde, eu e a Rafaela comentávamos e ríamos, porque foi uma sorte conhecermo-nos. Pouca gente poderia suportar estas mudanças repentinas de destino e alguns imprevistos que nos esperavam sem se gerarem discussões. Mais tarde, passamos algumas situações menos agradáveis em que as minhas decisões foram aceites por ela e, depois, fui eu a primeira a arrepender-me. O mais engraçado é que aprendemos muito uma com a outra, a tolerar-nos e a tolerar todo um sistema como, por exemplo, o dos transportes, que não funciona ao ritmo dos nossos gostos. Pouca gente tem esse privilégio.