“Los hombres descubren a veces un lugar al que, por causa desconocida, se sienten pertenecer. Aquella es la pátria que buscaban y se quedan a vivir en regiones que no habian visto hasta entonces, entre hombres que jamás conocieron, como si les fueran familiares desde su nacimiento (…) encuentran por fin el apetecido descanso.”
Quem o diz é Sommerset Maugham no seu livro “Soberbia”, sobre o exílio de Gauguin nas ilhas do Tahiti, só para dedicar a sua vida a pintar. Define muito bem o que tenho sentido frequentemente.
Balanços finais da minha viagem: apesar de me terem roubado o computador (que é um roubo material, económico e emocional), da roupa suja há um mês, e do esforço mental para deduzir o melhor de já não ter namorado (em tudo tão profundo e proporcional ao estado de felicidade no qual eu “viajava” desde que tinha chegado ao Chile)… não se perde nem se ganha, muda-se! Aprendi (não com a mesma rapidez com que o escrevo aqui)… boas doses de optimismo, bons amigos, lugares únicos. Fui recebida com muita hospitalidade por gente a quem estou agradecida e que quero voltar a ver. O isolamento, a distância, o ficar “longe”, estes lugares-gente-momentos são partes do que sou agora.
Voltei num voo barato, de Punta Arenas a Santiago, suprindo toda a distância que percorri via terrestre, em poucas horas. Fico baralhada, mas a culpa é minha, quem decidiu fazê-lo assim fui eu. Fico uns dias em Santiago em casa da irmã de Bárbara, a Javiera, e aproveito para conhecer melhor a cidade, e pensar no mais importante desta viagem à Patagónia. Santiago é grande, concentra quase metade da população chilena. Sofre graves problemas de poluição e “smog”. Santiago é bonita e tem partes feias. Tem bairros onde nem polícia nem ambulâncias entram. O metro é subterrâneo, com várias linhas, em algumas estações claustrofóbico e sujo. Mas existem vários placards com imagens de paisagens do Chile, algumas que vi nesta viagem. Entro no metro como uma sardinha enlatada. É Verão, e suo em pinga.
Visito uns museus e ruas do centro, e o palácio de La Moneda, que foi bombardeado em 1973, aquando do golpe militar (e início da ditadura de Pinochet). Nesse mesmo dia, o Salvador Allende suicidou-se lá dentro. Hoje Allende é lembrado em todo o mundo como símbolo de “esquerda” e ícone do socialismo, mas também se recordam as crises financeiras em que o País mergulhou durante o seu Governo. Eu pergunto opiniões, o que pensam os chilenos. Depois do Golpe Militar viveram 17 anos de ditadura (até 1990). Muitos defendem que um Estado de direita foi a solução. Muitos recordam atrocidades. Muitos fugiram, muitos exilaram-se na Europa e Argentina. Alguns não chegaram a ser directamente afectados pela crise e posterior ditadura. A minha geração apanhou os últimos anos da ditadura. As gerações do agora vivem numa espécie de usufruto de liberdade recente, mas também há quem seja mais conservador, observador dos erros e dificuldades de ser politicamente correcto.
Passeio em Providencia, Las Condes, e Nuñoa. São três bairros de classe média-alta e alta. São bonitos, com verdadeiras mansões, e alguns condomínios de luxo a proliferar. Da cobertura do edíficio da Javiera têm-se vistas privilegiadas: Santiago lá em baixo e a cordilheira detrás, branca nas pontas. Mesmo no Verão, a cordilheira está nevada e está mesmo aqui ao lado, colada; as classes mais altas vivem encostadas à montanha, que apesar de tudo é um limite natural à expansão urbana.
Voltei a casa, a Valparaíso, sinto falta de surfar. Reencontro os meus companheiros de casa: chilenos, um canadiano, uma neo-zelandesa, duas alemãs, um dinamarquês e uma francesa. Estão todos ainda chocados com o assalto do Natal, mas vamos ficar. Pagamos uma boa renda e a casa é enorme e bonita. O meu quarto, o melhor que já tive na vida, está virado do avesso, por causa do assalto, e com restos de comida. Alguém deve ter dormido na cama. Limpo e recomponho tudo. O espaço é meu. A home is not a house.
Por Sofia Valente
A Sofia é uma surfista do Porto que está na América do Sul a fazer um ano do curso de arquitectura e, claro está, a viajar e a surfar sempre que pode.