Acordei com um solavanco violento da carrinha. Vi-me atirada contra uma janela com livros e comida enlatada a deslizar na minha direcção. Durante um longo segundo (um segundo preocupante) não soube o que se estava a passar, ainda estava a dormir. Estava na traseira fechada de uma carrinha tailandesa com os quarenta e cinco livros que eu e a minha amiga inglesa comprámos numa livraria manhosa em Kanchanaburi e com – entre outros itens de comida ocidental – os seis quilos de esparguete que comprámos no único supermercado da região que vende esparguete (só quem viveu num país sem esparguete é que nos pode julgar).
Estava a usar um saco de roupa suja como almofada, tinha as minhas calças creme de um castanho alaranjado, a t-shirt e a roupa interior coladas ao corpo por causa do suor e as meias e as sapatilhas prontas para deitar fora, talvez até queimar numa fogueira patrocinada pelo instituto de higiene tailandês. Após um mês e meio de mochila às costas pelo Vietnam, Cambodja e Tailândia estava a regressar a Sangklaburi. Estava a regressar ao meio do mato. Não havia outro carro na estrada não iluminada. Deitei-me aproveitando para olhar para o céu estrelado, tive a sorte de ver pirilampos até a estrada ou o carro (ou ambos) voltarem a usar o meu corpo como bola de pingue-pongue.
Após dois ou três dias em Hanoi, Vietnam, conheci um malásio muito simpático que por acaso também se dirigia ao sul do país. E eis que apesar de não viajar de mochila às costas há quase três anos voltei a entrar no espírito backpacker.
O que é o espírito backpacker? Imagino que cada viajante tenha a sua definição mas para mim é alguém que viaja de mochila às costas e com um espírito aberto. Hoje em dia toda a gente quer ser especial, quer ser diferente. Milhares de pessoas vão ao mesmo sítio no mesmo dia à procura de uma experiência única, livre de turistas. Nem todos voltam satisfeitos. O backpacker é alguém que aceita sem hesitar não visitar um monumento histórico em troca de uma experiência única, especialmente se for com locais. Um backpacker é alguém que não tem muito dinheiro, ou como se diz hoje em dia, alguém que viaja com um orçamento muito limitado. Devido a esse problema orçamental o viajante tem de ficar em sítios manhosos, camas duras ou sujas, tem se saltar uma refeição aqui e ali entre outras coisas. O viajante pode ser sociável ou não. O sociável, contudo, tem grandes probabilidades de encontrar um outro backpacker com mais ou menos o mesmo destino, mais ou menos o mesmo orçamento. Então decidem partir à aventura juntos. Partilham o quarto, as refeições, talvez até o dia. Ou partilham apenas o quarto para poupar uns tostões e vai cada um à sua vida. Na maioria dos casos não há problemas nenhuns e podemos até acabar as férias com um amigo novo, o que é sempre bom.
No Vietnam a maioria das minhas viagens tiveram o prazer da companhia malásia, no Cambodja partilhei um quarto com um francês durante três dias e um táxi pela cidade com um inglês (tão novinho e inocente, coitado, foi roubado umas três vezes) e em nenhuma altura houve algo que me fez questionar as minhas escolhas. Posso não voltar a ver os últimos dois a não ser nas minhas memórias mas sei que o primeiro voltará a cruzar-se comigo visto termo-nos tornado bons amigos.
O backpacker não teme experiências novas, conhecer pessoas novas. Porque sabe, porque acredita que “em cada esquina há um amigo”.