No fundo do desfiladeiro uma aldeia com 33 pessoas

CabanacondeÀ chegada a Cabanaconde recolhi algumas informações no rústico posto de turismo local, que não hesitou em recomendar-me locais para comer e dormir. Tomei o pequeno-almoço e parti rumo à primeira povoação. Antes de sair, comprei água e alguns rebuçados para me devolver a energia quando fosse necessário. Uma pequena ovelha, com pouco mais de um mês, à saída da mercearia parecia decidida em vir caminhar comigo. Só a dona, saindo de trás do balcão, é que a convenceu a ficar por entre balidos e esperneios.

Primeira etapa, até San Juan de Chucho, bem no fundo do vale a pouco mais de 2.000 metros de altitude. O desnível a vencer seria superior a 1.300 metros. Parei inúmeras vezes. Nos primeiros metros da caminhada, ao fazer um desvio para um miradouro, perdi o caminho. A opção seria obviamente simples, assim pensava eu, perante uma bifurcação terei sempre de descer. O trilho era muito pequeno e não era concerteza o trilho principal. Cheguei a uma situação limite. A escarpa que encontrava pela frente fazia com que o trilho obrigatório fosse o de escalar os 200 metros que me separavam do caminho principal. Entre umas tantas doses de remédio da asma, já vulgares em andanças destas, e uns tantos passos metodicamente colocados nos locais de apoio mais firmes, cheguei ao trilho principal. Uma hora e meia depois continuava muito perto de Cabanaconde. Não me importei. Desci acentuadamente, intercalando o passo metódico com paragens para beber água e contemplar o que estava à minha frente já que, enquanto se desce, para que todos os passos possam ser dados com segurança é essencial que se olhe para o chão como se tivéssemos umas palas como os burros. O sol ia-me marcando a cara com força. Não tinha trazido o protector solar que, tal como o MiniDisc, se revelariam de extrema necessidade. Aos poucos, queimava a testa e as maçãs do rosto. Sulcava e marcava as rugas de expressão como de um velho. Sentia a cara extremamente seca e queimada.
 
No início da ponte, “à Indiana Jones” como os Peruanos gostaram de frisar, uma senhora vendia bebidas frescas. Disse que não queria pois já tinha água e pedi para tirar uma fotografia. Não deixou. Só se comprasse qualquer coisa como ela me demonstrou por palavras. Não tirei e comecei a subir o pequeno caminho de entrada em San Juan. Campos cultivados e algumas árvores de fruto preencheram a paisagem que até agora era completamente inóspita. As únicas sombras que tinha encontrado foram encostado a algumas fragas monumentais que a todo momento pareciam querer resvalar montanha abaixo. A encosta tinha sido, até então, preenchida de arbustos pequenos e por uma terra alaranjada muito sedenta de água, mas aqui em baixo a conversa era outra. Campos verdes substituíam o deserto montanhoso e pequenas levadas guiavam a água até aos campos. Logo à entrada, num dos primeiros campos, uma criança, limpava um rego de água com uma pá. A água não estava a chegar à cultura. Estava com os pés dentro de água e com a cara ligeiramente suja de lama. Estrategicamente, atrás de um arbusto, com uma lente de ampliação forte, comecei a tirar algumas fotografias. Ela, oscilava entre o sol e a sombra de um castanheiro. Murmurava para que ela se colocasse ao sol. Em pouco tempo descobriu-me. Parou de trabalhar e veio em minha direcção. Cumprimentei-a com uns “Buenas Tardes” e perguntei se poderia continuar a fotografar. Disse que sim e colocou-se a minha frente com um sorriso imenso como um modelo fotográfico, à espera de uma grande fotografia. Mexia-se com um à vontade de tal maneira natural e enfrentava a câmara com um ar tão decidido e tão doce que não hesitei em gastar mais de duas dezenas de fotografias. Antes de partir perguntei-lhe o nome. Lucero foi a sua resposta. Deixei-lhe, eternamente grato, 1 Sol (moeda local) e parti para o centro da pequena aldeia.

As mulheres trabalhavam no campo com os trajes tradicionais e, gentilmente, recusaram todas as fotografias. Cheguei ao Camping Glória, local recomendado por Braulio e excelente local para dormir. No mesmo local, um grupo de franceses com um guia e 3 israelitas iam fazer a caminhada sozinhos. Partiram por volta das 16h e eu fiquei sozinho com a família. No mesmo local viviam Glória e Gualter, irmãos. Estive largas horas à conversa e falei-lhes de Lucero. Disseram-me que tinha 5 anos e que andava na escola dali da aldeia com mais 6 crianças. Explicaram-me a razão de não haver jovens na aldeia. Quando chegava a altura de ir para o ciclo iam viver para a população vizinha de Taipay onde poderiam contar com uma escola preparada e até equipada com internet.

San Juan não tinha electricidade nem sequer telefone. Glória e Gualter, jovens, manifestaram o seu prazer em viver ali. Glória era casada com Victor que chegou mais tarde. Tinha estado a trabalhar no campo. O local era excelente para árvores de fruto. Tinham algumas vacas, porcos e inúmeras galinhas. Era, claramente, cultivar e criar para subsistir. O único animal que não se comia era o burro. Era bem mais útil como animal de carga nas frequentes investidas montanha acima até Cabanaconde para comprar os alimentos para os turistas. Cada família possuía um número de burros limitado que era diversas vezes partilhado e cedido para utilização comunitária. Disseram-me que tinham um filho a viver em Arequipa e que todas as semanas iam lá para vê-lo. Segundo me transmitiram, o filho estava com dificuldades de adaptação à cidade. Quem diria! Sair de uma aldeia com 33 habitantes junto ao rio sem electricidade e sem nada, onde como companhia temos o sol, as estrelas e o ar puro e encontrar uma cidade poluída e movimentada não deve ser nada chocante. Digo eu!

Gualter desafiou-me para pescar no rio. Recusei por estar demasiado cansado mas perguntei o que se pescava. Truta, foi a resposta. Pescava com rede e comprometeu-se em pescar 4 trutas para jantarmos todos juntos. Fui dormir um bocado e às 18h30m estava pronto para jantar. Apercebi-me que se jantava muito cedo e se madrugava ainda mais cedo. As pessoas maiores (como me explicaram que se chamava às pessoas mais velhas) levantavam-se às 4h30m para fazer a comida para os homens levarem para o campo. Ao pequeno-almoço comiam grandes pratadas de arroz para terem nutrientes suficientes para trabalharem todo o dia no campo. A povoação é claramente de influência pré-inca mas o nome, claramente colonial, já está completamente enraizado na memória das pessoas ao ponto de não me saberem dizer qual era o nome anterior. As pessoas comunicam em Quechua e toda a vida do dia-a-dia é levada com a calma que a dureza da vida em campo exige.

Aproveitei para ler mais um pouco do livro e actualizar o meu diário. O silêncio inspirava-me. Tinha perdido a caneta… e agora? Pedi uma caneta que posteriormente me ofereceram. Era uma caneta verde sem tampa e mais tarde reparei que todas as canetas que os Arequipeños e os habitantes do Colca usavam eram assim. Será que só há um fornecedor de esferográficas? Jantei a prometida truta na cozinha da casa e ainda me perguntaram se queria jantar na sala de jantar dos turistas. Obviamente recusei. Falamos longas horas sobre a situação económica do país e sobre Portugal. Perguntei se conheciam Braulio e as referências que demonstraram conhecer eram bastantes boas. Era dado como uma pessoa muito inteligente e culta e era conhecido pelo FocoLoco. Razão: antes de se dedicar ao desfiladeiro trabalhava numa central de energia a diesel e os focos da rua estavam sempre a baixar e aumentar de intensidade. A conversa foi interessantíssima e para pessoas que vivem num local que se pode apelidar de “buraco” demonstraram ter muita cultura geral, bem maior do que alguns americanos que conheci noutras viagens. Tirei algumas fotografias de longa exposição ao fabuloso céu estrelado e fui-me deitar cedo. Terminei o livro do Che e comecei a ler o “Cem Anos de Solidão” escrito por outro sul-americano que já foi Nobel da literatura, o grandioso Gabriel Garcia Marquez.

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