Mãos à obra brasileira

A chuva da primeira noite é como eu nunca tinha visto, torrencial, tão forte que deixa de se ouvir o som dos insectos e floresta, o céu cai junto. Mas, de manhã, acordei muito cedo com o calor-estufa na minha tenda, um dia radiante de sol, os mosquitos já não estão, e nos bambus ao lado da minha tenda estão vários macacos pequeninos. Este foi um cenário que se repetiu praticamente todos os dias que dormi na ilha, só que ao terceiro dia eu tinha a tenda inundada e a mochila e o seu conteúdo a escorrer água.

O clima não perdoa ninguém mas decidi não me preocupar mais com isso: todos os dias fazemos uma trilha de 40 minutos a caminhar, na floresta densa e enlameada, para chegar à praia onde vamos construir o coreto-palco ao lado da escola primária (que ficava numa outra praia, a Praia Vermelha). Neste lado da ilha não há estradas, não há carros. Ou caminhamos ou vamos em barco de pescadores.

A mim, é-me encarregada a tarefa de levantamento de edificado e inquérito às famílias de um sector da Praia Vermelha, lá em cima do morro. Tenho que apontar dimensões das casas mais típicas e, como falo português, fazer um interrogatório às pessoas: perguntar-lhes como gostariam que fosse a sua casa, em quanto tempo a construíram, etc. Geralmente, sempre que nasce um filho, faz-se o “puxadinho”, junta-se um mais um quarto à casa, ou então dormem vários membros da família na mesma peça. O quarto de banho está fora, a casa tem um corredor que distribui para todas as divisões, e um terraço paralelo do lado de fora. Sistema de esgotos débil. Aspecto inacabado, tijolos à vista, (os materiais chegam do continente), o terreno era da sogra ou da avó, o marido é pescador, a mulher cuida da casa. Oferecem-me mandioca, café (há muito tempo que não bebia café de jeito…), contam a sua vida, com quem se vão casar os filhos, etc. Nós, em dois dias, somos “a notícia” desta praia, que corre de boca em boca. Todos nos cumprimentam e vêm ver o estado da obra, dão uma mão para cortar o bambu, o material em que se construiu.

No meio destes primeiros dias, consigo convencer os meus professores a uma escapadela para ir surfar. Eu sabia que aqui se surfava, mas do outro lado da ilha. Tenho vantagens por falar Português, convenço um pescador a deixar-me ir no barco dele de graça, são três horas de viagem e o mar muda muito entretanto, porque deixa de ser tão abrigado. Chegamos à praia e eu tenho aquela visão de trás das ondas (que se vê nos filmes de surf). Estava pequeno mas perfeito. Cheguei a uma praia de areia branca fininha, água turquesa e quente, uns 5 surfistas dentro da água. O típico slogan turístico, sem turistas. O pescador dá-me 5 horas para estar de volta. Numa esplanada alugam-me uma prancha e surfo sem fato durante umas horas. De repente, um surfista grita-me para que tenha cuidado, “vai passar uma manta-raia ao teu lado!”. Quando a vi, pensei, por momentos, que afinal gosto mais de água não-transparente…!

Um dia fomos a Angra dos Reis comprar materiais. Arranjei maneira de pertencer ao grupo restrito de alunos que foram à cidade. Em Angra vejo alguns edifícios coloniais (claras reminiscências da arquitectura portuguesa), até que começa a chover de novo. Tenho que encontrar-me com o resto do grupo para apanhar o barco de volta mas esta chuva parece mais o dilúvio. Quando estamos todos juntos, os professores decidem continuar a caminhar. Somos os únicos que seguem na rua, todos os brasileiros estão dentro das lanchonetes, debaixo de toldos, em cafés, choperias, junto aos balcões com coxinhas de frango, bolos de brigadeiro e guaraná. Ninguém sai destes abrigos improvisados porque, em 5 minutos, pára de chover e sai o sol. Esta foi a conclusão que tirámos depois de já estarmos ensopados.

As ruas perpendiculares ao porto, que sobem o morro até á favela, são autênticos canais de escoamento da água. E as paralelas pareciam rios… só que de águas residuais, o cheiro é insuportável. Parou de chover mas a cidade está inundada, fede, vejo várias ratazanas mortas a boiar junto às caixas de saneamento entupidas, e centenas de baratas a flutuarem. Várias vezes tive vontade de vomitar.

Voltámos à Ilha, só que o mar estava agitado, pela tempestade. Nova vontade de vomitar, desta vez tenho que sair do interior do barco, mesmo com chuva, e arejar por minutos. Passamos o largo, mais mexido, e ao chegar, a bonança deixa passar uns raios de sol em alguns lados da ilha que ainda não tinha visto. É incrível o clima e a vegetação. É luxuriante. É praticamente virgem.

O coreto para a escola primária da Praia Vermelha ficou incompleto e a obra, em si mesma, apresentava alguns problemas, mas o tempo esgotou-se, temos que voltar ao Chile. Trabalhámos de noite e debaixo da chuva torrencial e dormimos uma noite na escola primária. Os miúdos estão fascinados connosco e algumas das meninas jogaram comigo um futebol na praia, foi “show de bola”, elas “deram-me baile”, em Português de Portugal! Estas crianças brincam com pouca coisa, há poucos brinquedos, e elas não conhecem computadores, Nintendos, Playstations… brincam entre elas, com o mar e com os bichos.

Inauguramos o coreto com a população local, todos temos que cantar uma música cujo refrão foi composto a partir do famoso verso do Fernando Pessoa “navegar é preciso”… “viver não é preciso”. Toca-me ainda, porque falo português, ler uns poemas do Gerardo Mourão Melo sobre a descoberta e colonização desta América onde chegaram os Portugueses. Terminámos a aprender samba, a tocar músicas de bossa nova com os locais e com um almoço colectivo de peixe e fruta tropical da ilha. Despediram-se de nós no molhe da praia: acenavam enquanto o barco partia, perguntam se voltaríamos e agradeciam profundamente a nossa estadia. Perguntavam se voltávamos…eu também me pergunto o mesmo.

Resta-nos umas “parrilladas” de carne na Argentina, de novo cruzar o Iguaçu, mais música colectiva dentro do bus (para mal dos meus pecados!), mais estiramentos quando se pode sair, e uma tormenta em plena planície argentina, com relâmpagos incluídos. Por fim, chegar ao Chile e pedir aos professores que nos dêem alguns dias de descanso destes dias no paraíso. Eu queria, mais que tudo, fazer um “rewind” de tudo o que vi: tanta variedade, tanta intensidade, tantas diferenças económicas, sociais, culturais, de paisagem, num só continente. Havia que “digerir” tudo isto.

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