José of the Dogs
Chicama, Peru
14 Agosto 2007
Ithaka, nascido Darin Papas no sul da Califórnia, é um artista autodidacta e multifacetado. Música, escrita, fotografia, escultura… “you name it”.
Descobri a música dele há alguns atrás, pela mão de um bom amigo, nomeadamente uma letra que ele dedica ao Zé Seabra, um respeitado surfista português. A música chama-se “Seabra is mad” e conta a história de uma viagem de surf à Madeira que os dois fizeram juntamente com o João Valente, director da revista Surf Portugal. Todas as suas músicas contam uma história e ouvi-las é, de facto, como ler um bom conto.
Ithaka tem passado bastante tempo em Portugal, onde inclusivamente já gravou um disco em que uma das canções se chama precisamente “N’ Portugal”. Ele gosta do nosso país e fez cá (aí) bons amigos!
No simples e frio restaurante de Chicama, um dos Canadianos chama a minha atenção para a filmagem do dia que está a ser reproduzida na televisão.
– Ei Portugal, it’s you! Buena ola!
Olho para cima e não gosto do que vejo. Tenho um estilo feio e pesado. Lento. Aquele roundhouse animal, afinal não foi mais do que uma preguiçosa manobra feita a três tempos. Não tenho vergonha, até porque boa parte dos filmados surfam o mesmo ou menos do que eu. Estamos ali para nos divertir, nada mais, mas prefiro nem ver o resto da onda. Lembro-me que a seguir vou passar uma boa secção por cima da espuma e prefiro manter intacta a fantasia de que mandei um grande floater!
Por outro lado, estou completamente absorvido pela revista que tenho à minha frente, pousada ao lado do prato de “pescado con agregado”. É o último número da revista americana Water, que algum gringo deve ter cá deixado, e um título nas últimas páginas reteve toda a minha concentração: “Zé dos Cães (José of the Dogs), by Ithaka – winter 1993.”

O artigo é uma história chegada à secretária de um editor da International Surf Magazine em 1993, “num envelope amarrotado desde Portugal” e que, mais uma vez, podia dar em música. Conta como o Darin Papas conheceu o Zé dos Cães numa viagem a Sagres, a forma como se deram bem desde o início e algumas aventuras passadas nas estradas e ondas do sudoeste algarvio, que me fizeram sentir algumas saudades. A história termina com o episódio do suposto ou imaginado suicídio do Zé na ponta de Sagres, uma fábula que rodou nas revistas portuguesas e que não tenho a certeza se já foi totalmente esclarecido.
Para além do mito e do mistério, nunca conheci o Zé dos Cães. Não conheço, senão de vista ou de ler em revistas, o Zé Seabra ou o João Antunes. E, com o João Valente, apenas troquei alguns emails simpáticos. Mas, naquela noite, pus a malta toda a ler o artigo sobre “os meus amigos lá de Portugal” e, no fim do jantar, pedi ao dono do restaurante para arrancar as três últimas folhas da revista.
Meio a sério, meio a brincar, também disse ao fotógrafo e cineasta de serviço para não me filmar mais. É que, aquele cutback lento e preguiçoso do vídeo soube-me muito bem dentro de água e foi segurado com estas perninhas que a terra há-de comer. E isso é que importa!