O Chile está dividido em 11 regiões, de norte a sul. Entre a cordilheira e o Pacífico, o estreito território vai mudando tanto a sua fisionomia que é frequente ouvir-se dizer que o País tem tudo: deserto, praia, mar, neve, vulcões, glaciares, campos de gelo, lagos, ilhas, florestas frondosas ou pampa seca.
A IX região, Araucania, e a X região de Los Lagos, albergam uma imensa extensão de lagos e vulcões que chega até Puerto Montt. A paisagem do sul multiplica-se em vários “sules”, que conheço aos poucos. Acho que é pela natureza, pelo seu estado “em bruto” ou “colonizado”, que insisto no sul.
O vulcão Villarica, o lago e a vila homónimos são um destino turístico, pelas estâncias de ski, pelas visitas à cratera ou pelas termas em covas vulcânicas. De entre os atractivos, atrai-me o mais bonito e grátis: as vistas. Lá em cima, na base do vulcão, faz-se um voo de pássaro sobre as montanhas andinas, umas atrás das outras, por planos, até à parte argentina. As estradas que ligam os lagos e vulcões vão rente à água, internam-se nos bosques, passam a ser de terra, ou simplesmente terminam. Já a pé, há uns caminhos para chegar à margem das “taças” naturais dos rios (o som também serve de guia).
“Araucania” deriva de “Araucanos”, nome dado pelos Espanhóis ao povo nativo que habitava esta zona, no século XVI. Estes indígenas, auto-denominados “Mapuches”, subsistiram como etnia cultural até hoje, mas não sem lutas sangrentas. Os Mapuche resistiram durante algum tempo aos Espanhóis, depois destes já terem derrotado o Império Inca a norte. Com o processo de aculturação colonial, os Mapuche começaram a assimilar “novidades” trazidas: aos cavalos, usaram-nos para fugir e expandir, atravessando até para a Argentina, tornaram-se guerreiros; plantaram a cevada, maça e trigo para produzir a “chicha”, e aprenderam a roubar mulheres e gado. As moedas espanholas foram fundidas, gerando a prata e alpaca com que criaram peças de joalharia originais que, ainda hoje, as mulheres ostentam. Com uma língua e religião próprias, as comunidades Mapuche foram, ao longo da história, confinadas, e perderam os seus vastos territórios (limitados a hectares que diferentes governos lhes concederam). Actualmente, apesar da sua população diminuir, ainda reclamam pelo reconhecimento enquanto comunidade autónoma dentro do Chile, com direito às terras ancestrais. A cultura deste povo, ainda “viva”, mantém-se com alguns rituais. Um deles, vi quando fui uma reunião comemorativa local, onde iam falar sobre arquitectura em adobe. A comunidade era maioritariamente Mapuche e tinha recebido fundos estatais para construir. Como em todos os actos importantes, plantaram um “canelo” (a árvore sagrada), dançaram e rezaram à Madre Tierra. Sem grande explicação, sente-se uma relação forte com a terra. “Mapuche” quer dizer “gente da terra”.
Também foi Mapuche a cidade costeira de Valdivia. “Valdivia” era o nome do capitão espanhol, mandado desde o Perú e tornado Governador do Chile, que mandou expedições ao sul desconhecido. A cidade tornou-se porto estratégico para defesa de inimigos dos espanhóis que passassem o Estreito de Magalhães, e por isso tem vários fortes. Mais tarde, foi colonizada por um grande número de intelectuais alemães que a desenvolveram. Nas margens de um rio sinuoso, Valdivia tem hoje uma outra colónia, a de lobos marinhos. Corpulentos e preguiçosos, suspiram constantemente e usam as barbatanas para andar, como o Charlot. Tudo isto, a 20 m de um estacionamento automóvel.
Aqui perto, no mar, em 1960, houve o maior terramoto de que há registo no mundo. Os sismógrafos rebentaram depois de atingirem os 9,5 na escala de Richter e os efeitos tsunami sentiram-se no Japão, Hawaii e Nova Zelândia. O Chile é sísmico porque está na linha que separa a placa tectónica da América do Sul da placa de Nazca, à esquerda do continente. Ao imaginar que, há milhões de anos, com a actividade destas placas nasceram os Andes, que com erupções e erosões originaram os vales do oeste, simplifico a história ainda misteriosa da cordilheira, mas compreendo melhor porque é que os 4.300 km chilenos são tão “imensos”, ou intensos, como a linha que vai de Portugal à Rússia.
Por Sofia Valente
A Sofia é uma surfista do Porto que está na América do Sul a fazer um ano do curso de arquitectura e, claro está, a viajar e a surfar sempre que pode.