Quando aterrei na Nova Zelândia, sabia exactamente qual seria o meu primeiro destino. Raglan, uma vila situada na saída de um rio que tem uma das ondas mais compridas do mundo.
Na primeira noite, após uma surfadinha pequena, fui tentar jantar no sushi bar que tinha visto quando cheguei. Estava fechado e tinha um letreiro qualquer na porta. Não dei importância, assumi que deveria ser o dia de descanso ou algo do género e garanti uma típica galinha com amêndoas no chinês da porta ao lado.
Duas semanas mais tarde, conforme tinha planeado, regresso a Raglan e reparo que a porta do sushi bar continua fechada e com o mesmo letreiro na porta. Dizia simplesmente “Fui surfar, volto em breve. Aproveitem Raglan”. Estava assim há, pelo menos, duas semanas.
Conduzi desde New Plymouth pelo troço mais bonito de toda a viagem e devia ter parado mais vezes para tirar fotos, mas estava com pressa para ainda tentar apanhar ondas ao final da tarde. Tanta pressa que me esqueci de pôr gasolina! Depois de me chatear com o Jeremy, dono do Raglan Backpackers, por causa da chegada tardia, monto base no Harbour View Hotel, um pequeno e tranquilo edifício de estilo colonial situado no cruzamento principal da vila.
Raglan, ou para ser mais correcto Raglan-by-the-Sea, é daqueles sítios que eu gosto. É como Mal País (Costa Rica), Sagres (Portugal) ou Itacaré (Brasil). Fica no fim da estrada, não tem saída, não fica a caminho de lado nenhum e só lá vai quem quer. O centro não é mais do que duas ruas e o tal cruzamento. Há um pequeno centro de turismo, um hotel, um backpacker, uma padaria, um supermercado, uma estação dos correios, uma biblioteca, uma pizzaria, o sushi bar e o take away chinês, um clube de vídeo e loja de Internet, uma lavandaria, uma licor store, uma surf shop… há “um” de tudo o que é necessário. Espalhadas pela encosta e até aos picos de surf há várias casas pintadas de cores calmas, simples, sossegadas. Há tranquilidade em Raglan.
E depois há a onda, ou melhor, as ondas. Na verdade, Raglan tem três esquerdas, sem contar com o desprezado beach break. Dizem que, nos melhores dias, as ondas se juntam, formando uma das ondas mais compridas do mundo.
As esquerdas ficam a cerca de 8 km do centro. Gosto menos da onda do meio, Manu Bay, a que surfei há duas semanas atrás. Talvez seja pelo tamanho ou direcção do swell, mas a onda lambe demais as rochas para meu gosto.
Whale Bay, a primeira que se encontra vindo da vila, é uma onda muito “hotdog”, com várias secções diferentes para fazer todo o tipo de manobras. Tem uma entrada fácil pelas pedras por trás do pico mas é sempre onde está mais crowd de locais e longboards, principalmente antes e depois do horário de trabalho. Foi o único sítio onde tive alguns problemas de localismo.
Mais selvagem e mesmo no outside fica o pico de Indicators. É brutal! O acesso faz-se pelas pedras de Manu Bay e depois por um caminho de terra estreito que atravessa uma propriedade privada. Tem um canal grande, por isso é fácil passar a arrebentação. Depois de um drop daqueles de abrir os braços, a onda nunca abranda e a última secção do inside é um tubo oco e seco, só para quem pode e sabe. É um point-break perfeito, um paraíso para qualquer goofy-footer num cenário de cortar a respiração.
Chego a pensar ficar mais tempo, trocar o bilhete de Londres por um para Santiago do Chile e subir a América Latina como tinha planeado no início. Mas ainda não tenho coragem de desistir do que ficou em Portugal e parto da Nova Zelândia com alguma tristeza, com a sensação de quem deixa para trás a oportunidade de um recomeço.