Era a música
Dominical, Costa Rica
3 Julho 2007
No Verão passado, resolvi ir passar o fim-de-semana de 15 Agosto a Sagres. Arrependi-me, claro! Primeiro porque fiquei chocado com a quantidade de gente que, hoje em dia, tem uma prancha e “faz surf”. Depois porque, nesse sábado, havia um concerto qualquer, tipo concentração de “surf music” (seja lá o que isso for) que atraiu tudo o que é bicho que não sabe de onde vem nem para onde vai, e que tem transformado aquela terrinha tranquila e característica num destino de férias a la Benidorm do surf ou coisa que o valha.
Mas nem tudo foi mau e, na verdade, gosto de me colocar em situações que habitualmente não vivo. Um rapaz, com ar de campista com tenda montada no campo de futebol, pergunta-me como se vai para o recinto do concerto. Aponto, explico-lhe e aconselho-o a deixar o carro por ali mesmo.
– Carro!? Eu não vim de carro! Eu sou do Norte, caralho!
Como se os homens do Norte não precisassem de carro para chegar seja onde for. Do Norte ou do Sul… mas homens a sério aguentam o caminho na força das pernas e dos braços. E nada os pára!
Estou “preso” na Costa Rica à espera de um passaporte de emergência que me permita continuar viagem. E, apesar de estar constantemente preocupado a pensar em todas as alternativas e planos de contingência, tento entreter-me e aproveitar o tempo ao máximo possível, indo para praias onde, supostamente, o surf está bom. Mas já estou farto de estar em Dominical à espera que chova (e tem chovido bastante) ou que o mar suba para descer até Pavones.
Deito-me, despido, debaixo da ventoinha da minha cabina, a ouvir música no leitor mp3 que a Susana me deixou. Bolas, andei dois meses com um iPod carregado de boa música e, se o usei três vezes, já foi muito. Que, ao menos, alguém faça bom proveito dele! Entusiasmo-me… já não ouvia a minha música há muito tempo. No Porto, costumava ouvir música no carro, no caminho e regresso do emprego. Mas, agora, não estou no Porto. E já não tenho carro. Nem emprego.
Simulo estar a tocar guitarra e a cantar com um microfone na mão. Deitado, ás escuras, despido em cima da cama, debaixo da ventoinha da cabina. Um espectáculo digno de se ver! Corre-me o sangue nas veias e sinto uma energia imensa a percorrer-me o corpo. Desejo que já fosse de manhã, para me levantar bem cedo, ser o primeiro a entrar na água e fazer três ondas bem escolhidas, com paciência. No final da terceira, depois de aterrar do floater na junção, fazer aquele gesto com os dois braços e gritar uma asneira qualquer bem alto, sem que ninguém consiga ouvir. Depois, ainda com toda a gente a dormir, arrumar as coisas (são muito poucas) e apanhar o primeiro autocarro para qualquer sítio a mais de quatro horas de distância.
E cá vou. Porque eu sou do Norte, caralho!