Desmame
Cidade do Cabo, África do Sul
18 Dezembro 2007
Se no tempo dos Descobrimentos houvesse internet e sites de previsões climatéricas tão precisos como os que existem hoje em dia, não havia tantos navios naufragados ao largo do Cabo da Boa Esperança.
Aliás, estou mesmo a imaginar a conversa no Facebook entre dois jovens marinheiros da época, que terá antecedido a mais um feito importante da nossa história.
– Yo, Bartol(omeu)! Tá tudo?
– Grande Vasquinho, como é?
– Qual é aquele site maravilha que usaste quando passaste o Cabo?
– Espera, já te envio… os gajos não falham. Vais-te mandar?
– Lembras-te daquela chavala que conheci no Hi5? Estou a pensar pegar numas naus e ir ter com ela.
– É isso maior! Mas ela é de onde? Sabes o caminho?
– Diz que é da Índia ou lá o que é… mas vou indo e logo vejo.
Esta terra está cheia de referências aos navegadores Portugueses (nomes de ruas, locais, praias, monumentos, etc) e é difícil não sentir algum orgulho ao pensar que toda esta costa foi, literalmente, desbravada por “nós”. Sem internet nem previsões climatéricas, sem mapas ou instrumentos de navegação sofisticados, com a costa sempre à vista. Sem sequer saberem se o mundo acabava na linha do horizonte e se as naus iam resvalar por ali abaixo. Já fomos grandes e este é o país onde as pessoas me olham com mais admiração quando digo que sou Português. E não é só por causa do Cristiano Ronaldo!
Durante a semana que passei em Jeffreys Bay as previsões eram bem claras em todos os sites que consulto regularmente: não ia entrar nenhuma ondulação e, mesmo que entrasse, só iriam estar dois dias de off-shore (bom vento). Ainda assim, levantava-me todos os dias com os primeiros raios de luz a entrar pela janela para confirmar as condições. É que, às vezes, “os gajos enganam-se”. É muito raro, mas acontece. E eu estava à espera de um milagre. “Concede-me só mais isto” – pedia eu nos finais de tarde que passava sentado nos banquinhos de Supertubes, lembrando-me das rezas que fazia com os meus amigos em frente à praia de Leça a pedir ondas para o dia seguinte, ainda não havia esta coisa dos sites. E ainda tínhamos idade para fazer esses disparates!
No único dia em que, possivelmente, teria conseguido andar em J-Bay, decidi pegar no carro e ir até Cape St. Francis (mais uma referência portuguesa) para surfar em Seal Point, uma direita que tinha identificado dois dias antes.
– Porque é que não entras? Sempre é J-Bay e assim já podes dizer que surfaste aqui – insistia a Caroline, enquanto víamos o amigo Waren a tentar pôr-se de pé.
Mas eu não quis estragar o mito. Preferi não entrar a fazer uma sessão ruinosa no “melhor point-break de direita do mundo”. Preferi deixar o sonho vivo e o alfinete espetado no meu planisfério, a provocar-me todos os dias durante os próximos anos. “Tenho tempo”, pensei. Depois de quase 3.000 km a bater praias e apenas três surfadas em condições abaixo da média, já não há “Boa Esperança” que resista.
Em Cape Town, este vento que não dá tréguas entra off-shore em muitos sítios mas já estou cansado de vaguear como um tonto pelas praias mais selvagens da região à espera de, contra todas as probabilidades, encontrar um tesouro escondido. Não há nada a fazer e eu já sabia antes de vir: é Verão e não é época de muitas ondas. Por isso, há que mudar o chip e aproveitar o resto, que também é muito.
Como alguém me disse, estas últimas semanas são, à respectiva escala, como quando vamos de férias e o voo de regresso é ao início da tarde, deixando-nos algum tempo que já não dá para aproveitar muito. Nessa manhã arrumamos as coisas, vamos uma última vez à cidade, fazemos algumas compras de última hora, enviamos um último postal. Revemos as fotos tiradas, lembramo-nos dos melhores momentos… e fazemos planos para o regresso, prometendo a nós próprios que “a partir de agora vai ser diferente”. Antecipamos o reencontro com as pessoas que nos são queridas. Os abraços no aeroporto, os jantares de histórias e galhofa, as sessões de fotos, as surfadas nas “nossas” praias.
“Sobe pro Marrocos“- diz-me no Messenger o Paulinho, um brasileiro que conheci no Peru. “Estão grandes ondulações no Atlântico Norte e assim já fica pertinho de casa”.
Mmm… com mais umas semaninhas em cima era capaz de ser boa ideia. Mas já prometi em casa regressar para o Natal.
Infelizmente não imagino o que seja um desmame de uma volta ao mundo!! Mas que deve ser duro lá isso deve!!
Abraço!