Dar tempo ao tempo

Dar tempo ao tempo
East London, África do Sul
3 Dezembro 2007

O tempo e a vivência de novas experiências acabam sempre por relativizar acontecimentos que, na altura em que os vivemos, nos parecem mais marcantes do que realmente são. Estou plenamente convencido de que é isso que vai acontecer à minha primeira semana na África do Sul.

Depois de três dias debaixo de ventos quase ciclónicos e chuva quanto baste, convenço-me que não vale a pena esperar mais pelos potentes beach-breaks dos piers da Golden Mile. As previsões vão de encontro à minha falta de paciência e este tempo é para ficar, pelo menos, durante uma semana. Durban é uma cidade que, para além do beachfront, não tem nada de muito interessante e, não param de me avisar, demasiado perigosa depois do anoitecer.

– Quer ir a um cybercafe? Eu mostro-lhe onde é… mas volte antes do anoitecer e pelo mesmo caminho. Não se engane na direcção, duas ruas para dentro já é perigoso. E leva o seu laptop? Se calhar é melhor usar os computadores de lá, para não correr muitos riscos.

Parece-me que, como acontece habitualmente, há algum exagero e sobre-protecção do turista mas, de facto, e chamem-me agora racista se for isso que entenderem das minhas palavras, o ambiente produzido pela população local de pretos (digo “preto” com a mesma naturalidade com que digo “branco” e não “caucasiano”) intimida um bocado. Depois de escurecer, o centro da cidade fecha e esvazia, tornando-se num local realmente a evitar.

De qualquer forma, não me resta mais nada para fazer na cidade. Na verdade, com esta conjugação de factores, temo que dificilmente conseguirei encontrar ondas surfáveis até chegar à província de Easter Cape, onde a costa muda ligeiramente de direcção e é mais recortada, formando praias mais do tipo baía (mais protegidas do vento e com fundos mais constantes) do que propriamente uma linha de areal contínuo como em Kwazulu-Natal.

East London, África do Sul

Até Port Elizabeth são muitos quilómetros e, para além de tentar aproveitar ao máximo o visual das estradas costeiras, tenho mesmo que dormir algures pelo caminho. Por isso, deixo Durban munido de um mapa de estradas, algumas dicas do João Rebelo, um amigo que já viveu e trabalhou na África do Sul, e demasiados folhetos retirados do Posto de Turismo. Vou com o simples objectivo de “ir indo”.

Vou batendo algumas praias apenas para confirmar, vez após vez, as péssimas condições que os deuses Éolo e Neptuno reservaram para mim e acabo por parar antes de anoitecer em Margate, uma vila que me pareceu ter alguma movida. No dia seguinte, encontro uma boa praia onde consigo surfar pela primeira vez numa direita cheiosa que deixava muito a desejar. Passo o resto da tarde à procura de outras ondas e acabo o dia a surfar uns quebra-cocos miseráveis na praia em frente ao meu hotel.

– São sete horas de viagem até East London. A estrada deixa a costa e tens que ir pelo meio da montanha. Vais entrar num buraco negro, tens que sair cedo e fazer tudo seguidinho para chegares ainda de dia – avisa-me um senhor com quem converso durante o jantar.

Não percebi se havia alguma conotação racial nas suas palavras, mas a verdade é que durante todo o caminho passei por imensas aldeias montadas sobre os montes e pequenas cidades onde não vi um único branco.

Decido fazer uma única paragem em Mthatha, a cidade que viu Mandela crescer, para, da mesma assentada, meter gasolina, comer e ir à casa de banho. Tento ser cuidadoso com o sítio que escolho para parar o carro em segurança, uma vez que, para além de tudo o resto, transporto as pranchas que, inevitavelmente, têm que ficar à mostra. Consigo parar o carro em frente ao um movimentado KFC (não era o que me apetecia comer) para assim não perde-lo de vista enquanto vou comprar alguma coisa. Em todo o caso, levo comigo “a” mochila, que tem o computador, documentos, cartões bancários, etc. Desde a fila na caixa até consigo ver a traseira do carro.

Eu fui cuidadoso, diabos! Mas, ainda assim, quando me preparava para pedir o meu almoço, uma senhora entrou na loja a avisar que estavam a assaltar um carro. “É o meu, claro!” Nos três segundos que demoro a sair consigo imaginar cinco ou seis gajos a descarregar as pranchas para um camião, já com o carro sem pneus e pronto para ser incendiado! Mas não… apenas vejo algumas pessoas a correr e mal chego ao carro percebo, de imediato e com a serenidade possível, o resultado do assalto. As pranchas estavam lá, “a” mochila estava nas minhas costas e a mala não tinha sido aberta. Levaram-me apenas uma máquina fotográfica e um par de óculos que estavam no porta-luvas.

– Vai atrás dele, ainda o consegues apanhar!
– Fecha mas é o carro antes que te roubem o resto!
– Fecha o carro e vai, ele largou as coisas!
– Espera pela polícia!
– Mata!
– Esfola!

Nem sei como consegui manter alguma calma no meio daquela confusão.

Mthatha, África do Sul

Fecho o carro, peço a um senhor, que se mostrava indignadíssimo, para ficar a tomar conta e corro na direcção que me apontam… para encontrar as minhas coisas uns metros à frente, delicadamente pousadas numas escadas que dão acesso a um jardim.

Apesar da minha vontade ser sair dali o mais depressa possível, e conforme me implora a maioria das pessoas, espero pela polícia, que apareceu já com o assaltante algemado e deitado na parte traseira da carrinha de caixa aberta. Sigo-os até à esquadra para formalizar a queixa e abrir o processo, enquanto o suspeito capturado se queixa e suplica por alguma coisa de beber com um, em certa medida comovente, olhar de impotência e sujeição.

Sigo viagem para East London, onde chego já de noite, com a fechadura da porta do passageiro estragada e mais uma história para contar. Alojo-me num bom hotel, com parqueamento fechado e dois seguranças nocturnos armados com espingardas de canos serrados.

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