Hoje recebi uma carta do banco. Era um extracto do cartão de crédito, igual ao que todos os meses chega à minha caixa de correio.
Mais do que as fotos de paisagens inacreditáveis, dos filmes de ondas perfeitas ou dos e-mails de pessoas que conheci, o extracto do mês de Março fez-me recordar aqueles momentos banais de sobrevivência, pequenas coisas do dia-a-dia de um viajante que acabam por ser a essência de qualquer viagem.
Estava lá a compra dos guias da Austrália e da Nova Zelândia, que encomendei directamente no site da Lonely Planet por não ter conseguido encontrar em nenhuma loja do Porto. Estava o adaptador de tomadas, comprado já no aeroporto de Heathrow, que, noite sim noite não, utilizava para carregar as baterias da máquina digital.
Estava o quartinho modesto que encontrei no Kiwi International, em Auckland, pensando que tinha marcado pela net um sítio “mais seguro” para as duas primeiras noites na Nova Zelândia. Estava a A2B Rentals e lembrei-me dos e-mails trocados com a Shannon até concretizarmos o aluguer do Toyota verde bisga e do barracão que encontrei quando o táxi me deixou à porta do depósito.
No Experience Taupo, o novíssimo “tourist office”, marquei o rafting no Tongariro River e as duas noites no Tamara Backpacker Lodge, em Wanganui, um dos sítios mais acolhedores onde fiquei. Na Cheapskates, também em Wanganui, comprei os calções, com bolso e cordel para prender as chaves do carro, com que surfei todos os dias na Austrália. Estavam também as duas noites no Sunflower Backpacker, em New Plymouth, onde dormi antes de ser convidado a ficar em casa da Mahinekura, na pequena aldeia Maori de Pungarehu.
Estava o cash advance que tive que fazer ao balcão de um banco em Waitara, depois das máquinas terem embirrado com o meu cartão Electron durante dois dias. E lá estavam as melhores noites no Harbour View Hotel, em Raglan, onde jantava tranquilamente take-away chinês e cerveja Golden na pequena varanda com vista para o centro. Estavam as t-shirts e o kit de reparação de pranchas, que comprei na surfshop, depois de ter aterrado em cima de uma rocha ao entrar em Whale Bay.
Estava a Shell, em Auckland, onde atestei o depósito antes de devolver o carro, poucos minutos antes de parar num parque com vista para a pista do aeroporto e chorar, ao som de Jorge Palma, com um sentimento estranho de quem deixa alguma coisa para trás. Estava a Qantas Airways, pelos 83 Euros do bilhete Sydney-Brisbane comprado pela Internet e pelo excesso de peso que as duas pranchas não conseguiram disfarçar.
Já na Austrália, estava a noite mais cara de toda a viagem, num dormitório de 4 camas que não valia nem metade, em West End, um subúrbio de Brisbane. Mas estava também a transacção na Ticketek, a central de compras de bilhetes para espectáculos, e as recordações que o concerto dos Placebo me trouxe nessa mesma noite.
Estava a compra e a respectiva devolução no Koala Resort, em Noosa, o único sítio onde decidi não ficar depois de ver o quarto, e as duas noites no Noosa Backpackers, onde depois acabei por dormir. Estava a Lady Musgrave, a ilha da zona sul da barreira de coral onde fiz dois mergulhos, e a viagem de duas horas e meia com ondas de dois metros a baterem no casco, onde acabei por “deixar” o pequeno almoço e o jantar do dia anterior.
Estava o Motel Formule 1, um conceito muito interessante onde se faz check-in automático, onde cheguei já perto da 1:00 da manhã depois de ter viajado mais de 4 horas desde Bundaberg, onde o barco me deixou. E estava o Islander Nomad Backpackers, onde aterrei vestido no que restou de uma noite de álcool e loucura fabricada em Surfers Paradise. Estava a lojinha Aboriginal Opal Arts, em Byron Bay, onde comprei e aprendi a tocar o didjeridoo que despachei para Portugal por DHL.
E estava a Hertz Australia, pelo Toyota Corola 1.8 VTi, mudanças automáticas, que me deram por já não haver o carrinho utilitário que eu tinha reservado pela Internet, ainda em Raglan, enquanto conversava no Messenger com o João.
Foi uma viagem do outro mundo! Nunca deixem que eu me esqueça disso.