Escolhi um lugar, mais ou menos aleatório, na costa atlântica Uruguaia. Há vários pontos onde há ondas “surfáveis” e eu optei por uma pequena aldeia piscatória, perdida entre as dunas. Chama-se Punta del Diablo.
Cheguei cansada de carregar a mochila e a prancha debaixo do sol, mas não aguentei: depois de arranjar hostal, espreitei a praia e fui surfar. Andava há muito tempo a carregar a prancha por lugares “insurfáveis” e este lugar é como um antídoto para isso. O nadador salvador que me guardou as coisas não pergunta “Eres chilena? Donde surfeas en Chile? Y en Portugal?”.
A água do mar estava morna, a luz do fim da tarde é parecida com a das matinais em Portugal. O sol a pôr-se em terra confundiu as minhas percepções do tempo diurno, fiquei na água até ao ocaso com alguns surfistas curiosos, porque por aqui não é frequente ver-se raparigas a surfar. Há turistas a aprender surf, como há em Peniche ou no Algarve, embora em quantidades mais proporcionadas à escala deste lugar.
Em Punta del Diablo há casas de férias, alguns “hostais”, casas de pescadores e de gente que veio para aqui viver. Há hippies chilenos, argentinos, brasileiros e paraguaios a venderem o artesanato (entre outros) que lhes permite serem nómadas e livres. E há o turismo que sustenta os hippies e alguns bares de praia, onde se houve cadombé ou música popular brasileira, emprestada dos vizinhos. Mas o turismo ainda não é descontrolado. A costa do Uruguai tem várias aldeias- praias assim, todas bonitas segundo me dizem e bem diferentes de Punta del Este, que seria a Vilamoura destas bandas.
Á noite, recusei o convite para uma festa na única discoteca do lugar e passeei até ao centro, que fica junto à praia. Andar sem postes de luz a iluminar o caminho, só com umas luzinhas ao longe, pousadas na linha que separa diferentes azuis marinhos, o do mar e o do céu estrelado, caminhar na estrada sem carros, era um programa mais apelativo.
Parei em Punta del Diablo para fazer uma escala antes de entrar no Brasil e não ter uma viagem tão longa. No dia da partida, resolvi aproveitar a falta de ondas para ir “fazer praia”, na praia que fica do outro lado da ponta de pedras. Deste lado há várias casas em madeira, cobertas de palha, com mensagens escritas nas paredes exteriores. Uma diz: “Punta del Diablo, un lugar para vivir toda la vida y después tambien”.
Aproveitei para ler “Las Venas Abiertas de America Latina”, do Uruguaio Eduardo Galeano, e dar uns mergulhos no mar. No último mergulho, ao chegar à toalha, vi as pessoas na praia em pé, o salva-vidas também, todos a olharem na direcção do mar. Virei-me e percebi o que “perdi”: andavam três tubarões a nadar junto à linha da areia, outros, mais ao largo da costa, um aqui outro ali. Algumas pessoas voltaram para a água quando eles começaram a desaparecer.
Dei por terminados os mergulhos. Prefiro não invadir o espaço destes animais, que evito ver até na televisão desde que comecei a fazer surf. Eu não sabia que no Uruguai há tubarões. Há medos que não enfrento e outros que nem alimento. Parti para o Brasil.
Os “timings” para estar no lugar certo e na hora certa nem sempre são influenciados pela intuição, “faro” ou sexto sentido, e algumas vezes decorrem numa sucessão aleatória de tempos e acções sobre as quais nem estamos a pensar. Depois é que pensamos no acaso, na protecção divina, na sorte, no karma, e se jogam ou não a nosso favor.
Por Sofia Valente
A Sofia é uma surfista do Porto que está na América do Sul a fazer um ano do curso de arquitectura e, claro está, a viajar e a surfar sempre que pode.