O caminho dos heróis
Saigão, Vietnam
29 Outubro 2007
Desde Junho, quando fui assaltado na Costa Rica, que viajo sem qualquer guia de viagem (Lonely Planet, Footprint ou coisas do género). Os guias podem ser bastante úteis pela qualidade da informação e dicas preciosas que contêm, particularmente em relação a transportes e alojamentos em cidades maiores. Mas, depois de ficar sem nada e de ter coisas mais urgentes e críticas com que me preocupar, deixei para segundo plano essa parte da organização e fui seguindo na base da velha máxima “quem tem boca vai a Roma”.
Quando entrei no comboio em Hanoi, a minha intenção era viajar até Da Nang. Não sabia exactamente o que ia encontrar mas, uma página digitalizada do Stormrider Guide e os relatos de soldados americanos sobre ondas e sessões de surf feitas aí e em Nha Trang durante a guerra, foram suficientes para escolher aquele ponto de paragem a meio do caminho para Saigão. Agora viajo sem as pranchas, que deixei num hotel em Bangkok, e não estou à procura de ondas mas, ainda assim, pareceu-me um pitstop mais natural para mim do que qualquer uma das outras cidades ou pontos de atracção que vêm descritos nos tais guias.
No meu compartimento de quatro camas, viaja uma rapariga Vietnamita que fala razoavelmente bem espanhol, fruto de um ano de trabalho em Barcelona, e que me ajuda a comunicar com a responsável de carruagem para saber como posso continuar a viagem até Saigão, apesar de apenas ter comprado bilhete até Da Nang. É que fiz umas contas rápidas e cheguei à conclusão que tenho que me mexer depressinha para conseguir fazer o percurso que quero sem arriscar perder o voo para Singapura, no dia 2 de Novembro, onde tenho um encontro imperdível! A resposta é simples e imediata. Pago-lhe directamente a ela o valor do bilhete em falta e a coisa fica controlada.
– No problem? – tento certificar-me que a senhora sabe o que está a fazer e que não vamos os dois parar a uma prisão e passar os próximos 20 anos a comer arroz com arroz.
Sorri e faz-me sinal para a acompanhar. Mostra-me o seu compartimento individual e, através de gestos, faz-me perceber que, em último caso e se o comboio encher, posso ficar a dormir ali. Agradeço e sinto alguma confiança na senhora que, afinal de contas, tem aposentos privados. Deve ser importante. “Sim, devo estar em boas mãos”.
No terceiro compartimento para onde me mudo (porque entretanto chegava gente com bilhete para a cama onde eu ia à socapa), viajam três senhoras. Mãe, filha e prima. Uma delas fala um pouco de inglês e lá nos conseguimos entender. Desenho-lhes um planisfério para tentar explicar onde fica Portugal e, depois de muitas perguntas sobre a minha família, resolvo abrir o computador e mostrar-lhes algumas fotografias relativamente recentes. Adoram e, entretanto, a velhota pede repetidamente à sobrinha para me dizer que está muito feliz de eu estar ali com elas e que eu sou “very handsome”.
À chegada a Saigão, a chefe de carruagem faz-me novamente sinal e acompanha-me à porta de saída, onde estão os fiscais a controlar os bilhetes. Arregalo-lhe os olhos como quem diz “ai caraças!” mas ela faz-me sinal para avançar e, pelo que consigo entender, que já falou com eles.
São 4:30 da manhã e, para além de um papel com o nome de uma rua escrito em Vietnamita onde, supostamente, haverá vários hotéis, não tenho noção nenhuma de onde estou nem para onde quero ir. Mostro o papel a um motorbiker: “Phan Ngu Lao? Yes, yes!”. Acordamos o preço e… seja o que o Buda quiser!
A meio da noite, no banco de trás de uma mota pelas ruas de Saigão, com uma mochila às costas e uma mala pequena ao colo do condutor, em direcção a um destino incerto. Será que esta versão vem nos guias?
O “caminho dos heróis” era o nome que o meu tio Júlio utilizava para descrever o corta-mato que fazíamos até ao rio numa quinta perto do Marco de Canavezes. Em vez de seguirmos pelo trilho normal e bem definido, íamos a correr e descer ravinas pelo meio de pedras e silvas, sempre a improvisar uma rota diferente. Ir ao rio pelo caminho dos heróis era o ponto alto do fim-de-semana.