Ilha dos Deuses
Bali, Indonésia
1 Outubro 2007
Enquanto dormito sobre a esteira de palha estendida na cama de bambu, sinto as meigas mãos da Cynthia a tocarem-me nas costas. Primeiro, num movimento circular delicado, como se espalhasse algum creme ou óleo; depois, com as pontas dos dedos e mais alguma firmeza. Finalmente, senta-se nas minhas costas e massaja-me os ombros e o pescoço.
Viro a cabeça e sorrio. Ela cola a sua testa à minha e ri-se. Eu não aprendi quase nada de Bahasa e ela ainda não fala inglês, por isso a nossa comunicação baseia-se apenas em gestos e caretas.
Com o pau do gelado que acabou de comer, penteia-me e faz-me alguma coisa nos braços, que eu imagino ser um tratamento de beleza. Agradeço e continuo a sorrir. A Cynthia tem exactamente a idade do meu sobrinho. Nasceram no mesmo mês e em dias muito próximos.
– Daqui a dois anos vou trazê-lo cá para se conhecerem. Vai ser amor à primeira vista!
– Andrééé, nooo! No boyfriend yet!
A Suzy, mãe da Cynthia, é dona do warung onde fico sempre na praia de Balangan, uma das minhas preferidas de Bali. É fantástica esta experiência dos warungs. A familiaridade e confiança que se cria com estas pessoas que, dia após dia, nos abrem as “portas” da sua cabana de praia, nos guardam as coisas enquanto vamos para a água, nos preparam um prato de comida, nos fazem uma massagem, nos deixam descansar ou dormir a sesta… toda esta vivência é uma experiência única que nunca vou conseguir exprimir por palavras.
No primeiro dia que cheguei a Balangan e ao warung da Susy, tinha acabado de “oferecer” 70.000 Ruphias (5,5 Euros) a um polícia, por andar a guiar a mota sem licença de condução internacional, e sobrou-me apenas o suficiente para uma boa pratada de noodles.
– Posso beber uma Sprite e pagar amanhã?
– Yeees, no probléme.
Nos dois dias seguintes, o mar esteve mais pequeno e eu fui surfar para Uluwatu, uma outra praia um bocado mais para sul. No quarto dia, voltei a Balangan e a primeira coisa que disse à Suzy foi que não me tinha esquecido do que estava a dever.
– Don’t worry. Há quem ande com uma semana de crédito.
– A sério? E nunca se esquecem de pagar?
– Se alguém se esquecer, eu também me esqueço. Ou se tem bom karma ou não, eu não me quero zangar por causa disso.
Diz-se, no meio do surf, que todo o surfista tem que ir pelo menos um vez ao Havai. Eu nunca fui ao Havai, nem tenho ainda as ilhas na minha shortlist… mas digo, sem hesitar, que todo o surfista (de prática ou de alma) tem que vir, pelo menos uma vez, a Bali, a ilha dos deuses. Este é, sem sombra de dúvidas, “o” destino. Não conheço ainda lugar no mundo que reúna tanta coisa boa ao mesmo tempo: praias, ondas, clima, paisagens, cores, cheiros, preços, cultura, espiritualismo… e, não vou dizer isto da boca para fora, pessoas. Gente real, verdadeira, desprendida e simples de sentimentos.
Este povo tem sido fustigado nos últimos anos por tudo o que é desgraças naturais e humanas (terramotos, tsunamis, atentados bombistas, desastres de avião, décadas de governação opressiva e desonesta). E, ainda assim, nunca falta um sorriso sincero, um jeito especial no trato, uma preocupação autêntica, um interesse genuíno. Há uma energia e uma aura especial em Bali e nas suas gentes. E isso sente-se e é contagiante até para o mais bruto e indiferente dos seres humanos.