A chegada foi um pouco atribulada mas, antes disso, já muita coisa tinha acontecido.
Despachei a minha bagagem no Francisco Sá Carneiro, no Porto, para Lima. Mais leve e só com a minha bagagem de mão despedi-me dos meus pais e decidi embarcar no voo da Iberia com destino a Madrid. À entrada do duty free, naquele detector de metais, foi detectado um objecto cortante na minha mochila. Abri a mochila e rapidamente identificaram um canivete suíço que deveria, sem sombras de dúvidas, ter sido despachado na bagagem de porão. Tinha-me esquecido. Como não tinha qualquer hipótese ofereci o canivete ao Sr. Agente da PSP que se encontrava no local. Espero que faça usufruto dele. Dirigi-me ao avião. O veículo era pequeno, atafulhado de gente e com algumas parecenças com um transporte público indiano. Muito sinceramente fiquei impressionado com a falta de qualidade daquele voo. As senhoras hospedeiras de bordo não sorriram, como costumava ser seu desiderato, as roupas eram de um gosto fraco e as permanentes dos seus cabelos faziam lembrar o tempo das saudosas Doce. Conclusão: aquelas senhoras não eram deste tempo, não senhor.
O avião levantou mesmo, comemos um pastel seco e aterramos, atrasados, no aeroporto de Barajas – Madrid, a grande capital espanhola e importante cidade europeia, assim pensava eu. Durante meia hora percorri corredores com informações visuais insuficientes, apinhadas de gente e com os balcões de informações e de atendimento ao público recheados de filas intermináveis de homens e mulheres de meia-idade de sandálias e calções coloridos. Provavelmente todos para reclamar os seus voos para os destinos mais exóticos que a modesta bolsa do ibérico pode encontrar – Ibiza, Palma, Canárias, etc. Caminhei confiando no meu sentido de orientação. Já muitas vezes o meu faro se tinha revelado essencial para encontrar saída de situações complicadas. Sentia-me bem. Confiante. Deixava-me guiar pela fabulosa música do Represas que me transportava para longe dali. Encontrei a porta para o voo. Ainda não estava aberta para embarque mas já contava com uma longa fila de clientes. Não me coloquei lá. Fui almoçar ao restaurante do aeroporto e pouco antes do voo partir, quando a fila estava mais vazia, dirigi-me para entrar. A hospedeira de terra ao passar o meu bilhete na máquina que os validava disse que não poderia embarcar. O meu voo não tinha sido confirmado e tinha 10 minutos para ir ao balcão de trânsitos que ficava a 5 minutos a correr daquele local. Cheguei ao respectivo balcão e, depois de em voz alta ter pedido autorização para passar a frente, o atrasado mental do empregado que se defendia atrás de um vidro transparente mandou-me dirigir a outro balcão. Como não tinha tempo para lhe bater saí do local a correr. Faltavam 3 minutos para o avião sair. Marimbei-me para o outro balcão e decidi ir para o local de embarque fazer um alarido tal que me iriam deixar embarcar.
Aproveitei as passadeiras rolantes, que desta vez estavam a meu favor, para chegar lá mais rapidamente. Quando cheguei faltava um minuto para partir. O avião estava ali mesmo ao lado ligado a porta de embarque por uma manga. Comecei a falar alto e a perguntar de quem era a responsabilidade. Exibi um papel da minha agência de viagens a confirmar o meu voo. Perguntei quem me iria indemnizar. Disse que, se não embarcava, então o avião não partia enquanto não me dessem a minha bagagem. A menina simpaticamente tentava-me acalmar. Dizia-me que o voo estava em overbooking. Disse-lhe literalmente em bom português “estou-me a cagar!!!”. Quem me vai pagar o prejuízo que vocês me estão a provocar?”. Aparentava nervosismo mas estava perfeitamente calmo. Só tomava esta atitude porque me lembrava do livro em que o João Garcia diz que há duas maneiras para encarar estas situações: pacificamente e de uma forma educada e ficaremos de fora, ou à portuguesa, armando o maior alarido possível para que a pessoa que está do outro lado, envergonhada nos deixe discretamente passar.
Entrei no voo pela porta grande. Um comissário, ao ver o “filme”, veio-me buscar cá fora e colocou-me no único lugar disponível no voo, em primeira classe. Seguiram-se 11h20m de voo normais em que deu para começar a escrever umas coisas e adiantar as minhas leituras. Comi bem, bebi o que quis e fui tratado como um passageiro de primeira. Mas porquê? Será que não devíamos ser todos passageiros de primeira?
Por Inácio Rozeira
O Inácio é viajante profissional e só tem a quarta classe antiga. É líder de viagens na Nomad para a Índia, Peru e Bolívia.