A ver o mar

A ver o marEm viagem sente-se pouco a rotina, a repetição dos horários. Estou livre da faculdade há dois meses mas, talvez porque este ano lectivo é diferente de todos os outros (as férias “grandes” são em Dezembro, por exemplo), são raras as vezes em que sinto os dias repetitivos. E durante o período de aulas na faculdade as actividades mais rotineiras são agradáveis. Não há horários pré-estabelecidos no meu curso, as aulas vão-se marcando. Vou para a faculdade a conversar com o motorista do colectivo (o táxi que vai apanhando e deixando os passageiros onde querem) chego geralmente atrasada (todo o bom chileno o faz e não uso relógio), apresento e ouço críticas do projecto e das maquetas feitas nos dias e noites anteriores.

A faculdade tem uma vista privilegiada para o mar, que às vezes me distrai. E tem também uma propriedade imensa onde vivem alguns professores, a Ciudad Abierta nas dunas de Ritoque. É lá que tenho actividades curriculares de desporto e que construímos obras com carácter experimental, que servem para aprender a parte prática da construção. Imagino se em Portugal houvesse uma coisa semelhante: uma faculdade de arquitectura comprava um terreno numa área-paisagem a cuidar, dispunha-o para o exercício físico e intelectual dos alunos, para concretizarem, sob a orientação dos professores, a arquitectura que desenham virtualmente. Com certeza ficaríamos mais preparados para o mundo real, em vez de capacitados para dominar o computador. Pior que não haver recursos financeiros para este tipo de coisas, é não se mobilizarem as boas ideias.

Volto da escola para Valparaíso em micro (autocarros pequenos, apinhados, de condução acidentada, e onde geralmente a maqueta sofre danos), e ainda apanho o ascensor. Às vezes baixo ao mercado do puerto, onde já não sou tomada por turista e sim habitué: conhecem-me, vendem-me fruta boa, não sou aldrabada nas quantidades e preços. Depois, se ainda há tempo, dedico-o ao vício vital (e de preferência rotineiro): desço a escadaria, apanho a micro no Plan, com o novo objecto a proteger, a prancha de surf. Às vezes não me aceitam porque estão lotados, obrigam-me a pagar dois lugares, acham que sou turista… Ás vezes olham para mim como se eu fosse extraterrestre, perguntam pela temperatura da água. Outras vezes, se houver mala para bagagem, o motorista sai em pleno transito, é incrivelmente atencioso e arruma-me a carga atrás.

O litoral norte de Valparaíso não é excepção em relação à costa chilena, que sendo tão diversa entre desertos e glaciares, é bonita e fotogénica para quem anda a ver o mar. No Verão, esta zona é invadida pelos turistas (sobretudo argentinos) mas, fora da época estival, muitas praias ficam abandonadas entre algumas urbanizações de segundas casas de férias e pequenos centros pesqueiros. Quando não posso ir a Pichilemu ou outras aldeias de surf, no sul de Malparados ou fora da V região, é aqui que surfo. Algumas praias têm areais de areia preta, outras lembram as praias de Portugal, pelo tipo de paisagem, pela beleza, pela poluição, pelo excesso de gente no Verão, ou pelo descuido.

Evito Reñaca, uma praia famosa entre os bodyboarders (e também surfistas), espectadores dos campeonatos regionais e nacionais das modalidades. Vítima da construção para os veraneantes vindos de Santiago nos anos 60, hoje ainda é popular em todo o País. Mas aqui perto há uns rochedos que despertam outro interesse, costumam estar a apanhar sol umas colónias de focas (não é um parque nem reserva limitada, elas é que escolheram aquele lugar).

La boca é a foz do rio que parte lá longe, no monte com o mesmo nome: o Aconcágua. É o monte mais alto da cordilheira dos Andes, com 6.962 metros, e o mais alto fora da Ásia, está já do lado argentino e vê-se da praia nos dias limpos (ainda melhor em contraluz ao fim da tarde). O espectáculo daqui de longe, até é generoso para quem está no mar: há uma praia, um rio, uma cidade pequena (com uma fábrica a destoar), uns espaços verdes, e lá atrás, como se fosse um fundo pintado, em tons de vermelho sobre a neve, os montes da cordilheira. O rio, o vale e o monte serviram de referência aos Incas que por aqui traçaram caminhos estratégicas, parte dos quais hoje são estradas. Às vezes aqui aparecem focas pequeninas, uma curiosa cheirou o nariz da prancha. Esta praia fica paralela a uma rua de restaurantes com a melhor comida “marinha” chilena: paila marina (uma sopa de mariscos), empanadas de todos os frutos do mar, pastel de jaiba (um empadão com carne de caranguejo a preço de água), peixe e mariscos frescos com limão e coentros. O cheiro a peixe é intenso, ao Domingo juntam-se muitas famílias nas marisqueiras e na praia, para passear a cavalo.

Cheguei a Ritoque quase inesperadamente: ia para as aulas na Ciudad Abierta, adormeci no autocarro, saí depois. Estava a um km da praia, à qual fui a pé. No caminho entre árvores ouve-se o mar, lá ao fundo, onde funciona uma onda pesada, com muita corrente. A praia não tem nada, além de ser o ponto de partida de campos dunares extensos, tem umas casitas, entre elas a cabana onde vive o mais antigo surfista chileno.

No beach-break de Maitencillo é bom surfar no Inverno, sem os alunos das escolas de surf. A vila (são duas ruas paralelas), em contrapartida parece fantasma sem os turistas da classe alta do Verão. Quando não há nada aberto, só resta deixar ficar a mochila na areia, e esperar que não nos roubem durante a surfada.

Há uma praia que em conjunto com as enseadas que lhe seguem, ganha o prémio por beleza. O areal até perder a vista é pontuado com um ilhote no canto da praia. Nesse ilhote vive uma comunidade de pinguins, que levou o Governo a declará-lo como reserva nacional. O mar gelado, graças à corrente de Humbolt (que varre as costas do Chile, vinda do pólo sul), aqui é muito transparente. Depois, vão aparecendo pequenas praias privadas entre escarpas baixas, ligadas por um caminho que recorda um pouquinho a costa da Ligúria. Contudo a arquitectura daqui é do período moderno, com casas-mansões que se sobem pela floresta, e pertencem às famílias mais endinheiradas do Chile, algumas até heliportos têm. As ruas ainda são em terra, mas enfim, onde há dinheiro há cuidado, os jardineiros das mansões são os únicos habitantes permanentes deste lugar. Nesta praia apanho geralmente boas ondas.

 

 

Por Sofia Valente
A Sofia é uma surfista do Porto que está na América do Sul a fazer um ano do curso de arquitectura e, claro está, a viajar e a surfar sempre que pode.

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