Dizia o Vinicius de Moraes que “a vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro” por ela fora.
Tinha encontro marcado com um amigo há uns anos, mas adiava sempre a viagem porque não tinha companhia, ou dinheiro, ou tempo. Mas agora não tinha desculpa: tracei a rota de modo a passar em Florianópolis, a ilha natal do Lucas. Conhecemo-nos por via do intercâmbio que ele fez na minha faculdade há uns anos e os interesses não se ficaram só pela arquitectura. O Lucas também faz surf e também gosta de viajar. Agora, quem estava de intercambio era eu, e nada melhor que encontrar alguém que já não vejo há 2 anos e tal. Além disso, encontrar um país na sua manifestação máxima de euforia: é Carnaval!
A beleza geográfica da ilha associada ao desfile dos blocos de carnaval são-me apresentados na primeira tarde na ilha. O carnaval aqui é feito pelos homens, disfarçados de mulher; as mulheres participam da farra, mas não vão mascaradas. Os homens têm nestes dias a oportunidade de incorporar todas as “peneiras” femininas que apreciam e gozam, e como diz o povo “soltam o bicho”. A alegria pega-se, embora haja excepções, há desentendimentos súbitos, excesso de álcool, enfim, o Carnaval às vezes leva-se a mal.
Nada melhor que alguém local para conhecer os “secret spots” da região. Surfei diferentes praias, de diferentes visuais, mas sempre com água morna. A praia que ganhou o prémio pela sua fotogenia e qualidade de ondas foi a que me custou mais a alcançar: uma trilha de uma hora e meia a subir e descer um morro coberto de vegetação densa… com a prancha debaixo do braço. Compensou. Não há estradas, não há carros, não há bares. Há a foz de um rio, muito verde cerrado, areia e mar. Alimentamo-nos com bananas da ilha, água e bolachas todo o dia.
Santa Catarina foi colonizada por açorianos, tem igrejas desse período, e tradições que vão desde a culinária à cerâmica de rasgos populares portugueses, passando pelos poemas dos lenços dos namorados, culturas que se foram misturando ao longo de séculos com Iemanjás, Nossas Senhoras do Bonfim, crenças do mar, etc. Os portugueses de agora, que chegam aqui de férias, gostam tanto do que vêem que, tal como alguns argentinos, compram uma segunda casa e voltam todos os anos, ou ficam mesmo a viver. Parece que esta tem sido a última “praga” que invade a ilha, que por ser finita devia ser limitada à especulação imobiliária.
Toda a fruta que comi era da ilha. As bananas são muito doces, há abacateiros na vegetação que cresce no morro, junto à rua do Lucas. Eu explorei a mata enquanto ele descia o morro em skate a altas velocidades e gozava comigo por eu ter medo de fazer o mesmo… ou porque os portugueses, ou melhor as portuguesas, são (somos) complicados: “são precisos 20 “tomar café” para se dar um beijinho nelas!”
O Lucas, tal como eu, viveu num país estrangeiro, sentiu o choque de mentalidades e culturas, de maneiras de se relacionar, comparou-as ao país dele. Sentiu algum atavismo e inibição por parte dos portugueses, diferenças que não devem ser confundidas (como tantas vezes são) com preconceitos e racismos. É frequente a depreciação que se faz da mulher brasileira em todo o mundo, pelo trabalho que vai fazer para os países de emigração, como também é frequente ouvir dizer que somos um povo triste e melancólico. No Chile, as Peruanas são as amas pagas para tomar conta dos filhos das classes altas, ou prostitutas. Os juízos de valor que às vezes se dirigem às nações têm muito de infundamentado, mas também podem conter um fundo de verdade, em nada pejorativo. Só nos parecem injustos quando se referem à nossa nação. Vale a pena sair do “contexto” e ver perspectivas estrangeiras à nossa. Essa também é a arte do encontro.
Nos últimos dias conheci algumas das coisas que devem encantar os portugueses que por cá ficam: a feijoada preta, a moqueca de camarão, uns passinhos de samba entre as amigas no quintal, enquanto se improvisa na viola, batuques, berimbau, entre outros, dão-se uns toques de capoeira (como se a tivessem aprendido como aprenderam a jogar futebol). Cantámos uns clássicos da mpb, pagode. É difícil não ser contagiado por uma geografia e cultura assim. O Brasil está entre os países com maior número de pessoas felizes per capita, segundo uma estatística feita a nível mundial. Da violência, droga, corrupção, da favela, eu não falo. Prefiro perguntar porque nem tudo é como se diz ou como aparece na televisão.
Por Sofia Valente
A Sofia é uma surfista do Porto que está na América do Sul a fazer um ano do curso de arquitectura e, claro está, a viajar e a surfar sempre que pode.