100 metros barreiras

Durante os quase 8 anos que trabalhei no tal “melhor hospital da zona”, tinha, invariavelmente, o mesmo ponto a melhorar em todas as minhas avaliações: “Alguma dificuldade em ignorar pequenos obstáculos e continuar 100% focado no objectivo final”.

É verdade, nunca o discuti, esse é um dos meus principais pontos fracos a nível profissional. Curiosamente, nenhuma das pessoas que me identificou esse ponto foi capaz de me sugerir acções concretas para o melhorar. Acho que é normal na maioria das empresas. Está toda a gente demasiado focada na gestão diária do negócio e acaba por se deixar o desenvolvimento dos próprios recursos para segundo plano. Na teoria, parece um contra-senso. Mas, na prática, acontece… e eu percebo porquê. É um equilíbrio difícil ou, como diria um guru meu amigo “um dos maiores paradigmas da gestão moderna”.

Há muito tempo que o objectivo principal desta viagem é, precisamente, chegar ao fim. Dentro do prazo e do orçamento e, se possível, sem grandes mazelas físicas ou psicológicas! Depois de várias tentativas para tratar das coisas à distância, não me resta outra opção. Tenho que ir a território português tirar um novo passaporte.

– Bastam 15 minutos para fazer o procedimento na máquina (foto, impressão digital e assinatura) e pode voltar para Bali no mesmo dia. Em 5 dias úteis recebo o passaporte de Lisboa e dia 15 ou 16 estou a enviar-lho para a morada que me indicar – diz-me, pelo telefone, a pessoa responsável pelos serviços consulares na Embaixada de Portugal em Jakarta.

“15 ou 16?” – penso. “Mmmm… eu parto a 20. Se há algum contratempo ou atraso em Lisboa ou algum extravio no correio, está o caldo entornado outra vez”.

Mas, neste momento, é a única hipótese que tenho. Quando tomo esta decisão forçada estou em G-land, num surf-camp no meio da selva, na mesma ilha que Jakarta mas no extremo oposto. Depois de discutir o assunto e aconselhar-me com o gerente do campo, chego à conclusão que será melhor voltar a Bali e daí apanhar um voo de ida e volta para Jakarta.

Há um detalhe importante no meio disto tudo. Estamos no mês do Ramadão, em vésperas da noite mais importante, e há muita gente a viajar para passar este período nas suas aldeias e junto dos seus familiares. Isto faz com que as tarifas dos voos estejam inflacionados, a custar três vezes mais do que o normal. Mas a viagem overland, como tinha pensado fazer inicialmente, iria, na melhor das hipóteses, demorar 24 horas, em autocarros e comboios de segunda ou terceira categoria, cheios de muçulmanos (não tenho nada contra ou favor de qualquer religião mas, temos que admitir, os muçulmanos são um bocado barulhentos e javardolas). Isto se conseguisse, sequer, arranjar bilhetes no próprio dia.

Pelo telefone, ele consegue-me arranjar um voo one-way, ainda com uma tarifa aceitável. Quanto ao regresso, depois tinha que me safar sozinho. Pergunta-me se quero reservar.

– Em que companhia? – pergunto.

A resposta que obtenho é uma careta como quem diz: “Não faço ideia, mas isso é relevante?”. Pois… para mim é um bocadinho. Agradeço mas digo-lhe para não reservar, que quando chegar a Bali trato das coisas sozinho.

Mal chego a Bali, agarro-me aos sites das companhias aéreas e consigo arranjar um voo para o dia seguinte com a AirAsia. Por incompatibilidade de horários, não dá para ir e voltar no mesmo dia mas do mal, o menos. Marco também pela net um quarto no hotel Ibis, que está com uma boa promoção de Ramadão e é bastante próximo da Embaixada. Siga!

Chego ao aeroporto de Jakarta e encontro facilmente um transporte barato para o centro. Na verdade, já tinha visto no site do aeroporto os transportes que existiam e como os apanhar. Tem-se revelado uma boa prática procurar esta informação nos sites dos aeroportos para evitar os sempre muito infaccionados táxis.

No dia seguinte, conforme programado, estou tocar à campainha da Embaixada às 9:30 da manhã. Pelas minhas piores estimativas, estaria dali para fora antes das 11:00, o que ainda me daria tempo para visitar um ou outro monumento antes do voo de regresso, às 16:10. Não podia estar mais enganado. Como já vos disse mais do que uma vez, a Lei de Murphy está sempre à espreita e, porque devo ter feito muito mal a alguém numa outra vida, apanha-me sempre. A máquina dos novos passaportes electrónicos não está a funcionar. Desde a tarde anterior que há um problema de comunicações e não está a ser possível ligar com Portugal. Como me parece óbvio, por razões de segurança, o software não permite guardar a informação em offline para enviar mais tarde, por isso tudo tem que ser feito online. Ora, sem comunicações não há passaporte. Ainda assim, fazemos uma tentativa quando o funcionário consegue, finalmente, fazer o login na máquina. Não resulta. As comunicações estão lentas demais e a informação não passa. Por minha insistência, fazemos uma segunda tentativa uma hora depois. Nada.

Entretanto, a responsável consular e única pessoa eventualmente capaz de resolver o assunto por outra via, está “presa” numa reunião com o Embaixador, que só termina pelas 13:30 depois de mais uma insistência minha, desta vez de “falar imediatamente com alguém que possa resolver o meu problema”. Pensamos juntos em alternativas. Um passaporte temporário que me permita chegar a Bangkok a aí tirar um definitivo na nossa Embaixada; dois passaportes temporários com diferente datas de emissão e validade, que me permitam seguir viagem até Portugal; três, quatro? Nada disso resolve e eu não quero adiar o problema. Quero resolvê-lo já. A alternativa que tenho na manga, a única possível de imediato, não é assim muito legal.

– Se me passar um passaporte temporário com 8 meses de validade, em vez dos 6 que dita a lei… isso resolvia-me o problema. É um erro normal, uma pessoa enganar-se a contar os meses. Olhe, o primeiro passaporte que me enviaram da Colômbia para San Jose vinha com a data errada. E tenho a certeza que não vou ter problemas, passo com ele em qualquer fronteira.

Se estivesse a falar com um oficial Indonésio, ao mesmo tempo que dizia estas palavras estaria a dar-lhe um aperto de mão com algumas notas de agradecimento. Mas não. A minha interlocutora tem, naturalmente, a sua dignidade profissional e, por muito que me queira ajudar, não pode aceitar a minha sugestão, nem fechar os olhos a um eventual erro grosseiro desses. Compreendo e sinto até um certo orgulho nacional. São 14:20 e não tenho passaporte. Dou o voo de regresso como perdido (não há reembolso nem alterações na maioria nas Low Cost) e decidimos esperar pelo dia seguinte, para ver se a maquineta funciona ou se Lisboa dá outra solução.

– Peço-lhe imensa desculpa mas agora não consigo mesmo fazer mais nada. Só a partir das 15:00 (9:00 em Lisboa) é que se começa a conseguir falar com alguém.

– Peça-lhes a excepção para os 8 meses. Sem máquina a funcionar, tem que se arranjar outra solução. Mas pinte a coisa mais negra do que ela já é. Diga que eu tenho problemas psiquiátricos e que se não vou embora depressa “passo-me dos carretos”!

Vendo bem as coisas, não seria uma mentira assim tão grande.

Volto para o hotel a pensar no pior cenário. Costumo fazer isso em situações de “crise”. Dizem-me que é por ser muito pessimista mas eu prefiro ver os extremos e perceber se consigo viver como isso e, a partir daí, construir cada passo da estratégia de resolução do problema. O pior cenário é ter que ficar em Jakarta até as comunicações funcionarem ou até Lisboa dar outra solução. Um sexto sentido disse-me para vir preparado para o pior e trouxe comigo “a” mochila, isto é, tudo o que é indispensável e não abandonável. Em caso de emergência, posso ser deportado para Portugal sem perder coisas de muito valor além das pranchas de surf que, obviamente deixei em Bali. Decido que só saio de Jakarta com um passaporte na mão ou num Hércules C-130 com ordem de prisão em Portugal! “Mas hoje é dia 9… até dia 20 fica resolvido de certeza”. E a partir deste pensamento começo a magicar os próximos dias.

Às 16:30 recebo uma mensagem no telemóvel. “Pode vir agora à Embaixada?”. “Estou aí em 15 minutos”, respondo. Aparentemente, o Gabinete do Ministério deu autorização para o passaporte temporário de 8 meses e, passados 20 minutos, saio com um documento que me vai permitir, se não houver mais contratempos (o que eu duvido), seguir viagem pela Ásia e regressar a Portugal alguns dias antes do Natal.

Agarro-me outra vez aos sites das companhias aéreas mas está tudo esgotadíssimo nos próximos três dias. O único voo de regresso que arranjo, pela mesma tarifa que paguei pela ida e volta na AirAsia, é da local Mandala Airlines, a companhia de se despenhou em 2005, duas semanas antes da minha vinda para Bali. Qual a probabilidade da mesma companhia se despenhar duas vezes no espaço de dois anos? Provavelmente menor do que outra companhia qualquer se despenhar, não? Mas o medo não quer saber de lógicas e não liga a probabilidades… e até ao último minuto, dentro do autocarro que passa pelo escritório da Mandala (onde tinha que ir pagar o bilhete pré-reservado por telefone) e termina na estação de comboios, hesito em apanhar esse voo ou tentar uma viagem de regresso por terra.

Bem, o que interessa é que já estou em Bali novamente e já tenho o bendito passaporte. É uma obra-prima muito parecida com a anterior, mas o importante é que serve o propósito e, já agora, também fica para a colecção! Os próximos dias serão passados a planear e a organizar o circuito pelo resto da Ásia e, quem sabe, com uma nova ida a G-land, uma vez que Bali está quase sem ondas. Com tanta burocracia, papelada, documentos, mapas, calendários, bilhetes, vistos, sites de companhias aéreas, de emigração e turismo, marca, desmarca, envia, não envia, liga, não liga, etc.… até já estou com os olhos em bico! ;)

Mas acho que os meus antigos chefes iam ficar orgulhosos.

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